26.02

Em 32 minutos, postagem de Bela Gil muda resultado de consulta da Anvisa sobre um dos pesticidas mais perigosos do mundo.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (ilustração)

Olhares que em outros tempos só seriam justificados se dirigidos a um “E.T”, hoje são comuns na direção de quem continua avesso aos passos de gigante dados pela tecnologia virtual. Se o cidadão já parece excêntrico confessando não possuir telefone celular, mais ainda quando diz que não tem e-mail ou não participa de redes sociais. Neste último caso, com certeza, ele entra direto para a lista dos desconectados com a realidade, isto porque o mundo real parece estar reduzido a curtidas e compartilhamentos. E, de fato, eles costumam mudar o mundo – para o bem e para o mal, evidentemente. Exemplos não faltam, mais notadamente a partir da Revolução do Panelaço (Islândia, 2008), que estimulou a Revolução de Jasmim (2010, Tunísia) e esta, o movimento dos Indignados (Espanha), além do Occuppy Wall Street, ambos em 2011.
Ontem foi a vez de a apresentadora do GNT e nutricista (diplomada pela faculdade norte-americana Hunter College) Bela Gil demonstrar, na prática, o poder das redes sociais, ela própria uma vítima delas quando decidiu, em maio de 2015, postar a foto da lancheira da filha, Flor, no Instagram: granola caseira, batata doce, banana da terra e água. Foi o suficiente para virar alvo de piadas e comentários irônicos do tipo “que horrível ser filha da Bela Gil”, como se, defendendo o direito de dar ao rebento uma alimentação saudável, parecesse morar em Marte e não no Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira, porém, em lugar das críticas recebeu, dos mais de 500 mil seguidores, demonstração imediata de apoio que deve influir definitivamente na decisão da Agência Nacional de Saúde (Anvisa) de retirar do mercado nacional o carbofurano (nome comercial Furadan 4-F, fabricado pela FMD Corporation), um pesticida da classe dos extremamente nocivos.
Eram 14h33 quando a moça – filha de Gilberto Gil, com quem aprendeu os princípios da alimentação Ayurvédica – usou o Facebook para convocar seu exército de seguidores a dizer não ao pesticida, na consulta que a Anvisa estava fazendo sobre o assunto, pela internet. Àquela altura, o placar apontava 66% a favor da permanência do produto e 31% contra, mas bastaram 32 minutos, após a postagem, para a situação se inverter. A consulta terminou com 70% pedindo a saída do carbofurano, número que deve ser levado em conta pela instituição na hora de decidir o destino do produto no Brasil.
Se “somos anjos e demônios na internet”, segundo acredita o sociólogo Manuel Castells, a expectativa, apesar dos pesares, é de que os primeiros prevaleçam sobre os segundos, ao menos quando grandes e boas causas surgirem como desafios para a transformação do mundo em algo melhor. Mudar os hábitos das futuras gerações de brasileiros, sobretudo, tem se revelado uma aspiração nacional, mas o assunto segue fora da pauta de prioridades dos governos. Sendo assim, restam as apostas no barulho feito pelas redes sociais, geralmente vindo de quem se importa com práticas irresponsáveis, capazes de deixar o país exposto a riscos pouco divulgados. A tal substância se transformou no horror de profissionais com atuação no ambiente rural, porque serve, inclusive, para liquidar animais de grande porte como onças. Desde 2000, é o veneno apontado por matar, ilegal e propositadamente, só nos Estados Unidos, entre um e dois milhões de pássaros por ano, sem falar em outros incontáveis representantes da fauna silvestre, de acordo com a publicação Birding Magazine. Portanto, se vamos permitir que o mal continue indo à mesa, ao menos Bela Gil e boa parte dos seus mais de 500 mil seguidores poderão lavar as mãos.