27.02

Por que as pessoas não retiram mais as bandejas após refeição nos shoppings? Esse gesto de cortesia era comum nos anos 1990, mas hoje tornou-se raridade.

Vandeck Santiago (texto)
Jarbas (arte)

Não sei o que aconteceu e provocou a mudança, mas nos anos 1990 era comum as pessoas retirarem as bandejas após refeição nos shoppings e hoje o comum é deixar as bandejas lá, com os pratos sujos. Tornou-se um ato tão corriqueiro que mesmo que diante deles esteja uma família com crianças menores, equilibrando bandejas em busca de mesas livres, os que acabaram de comer levantam-se e vão embora sem se dar ao trabalhar de levar para o lixo o resto de comida que deixaram.
O gesto em si é impressionante; mais ainda se você foi testemunha de como era nos anos 1990. Naquela época havia uma obsessão em retirar a bandeja – não fazê-lo significava receber olhares de reprovação e até mesmo frases discretas dos amigos que estava com você, “não vai levar?”. Parecia-me, naqueles anos, um ato de quem viajava ao exterior e queria parecer tão “civilizado” quanto os habitantes dos países que visitava (não me recriminem pelo raciocínio; estávamos nos anos 90…).
Seguindo por aí, a explicação que assoma é: naquela época havia menos gente com poder aquisitivo para frequentar praças de alimentação em shoppings; hoje existem mais shoppings, mais praças e muito mais gente. Uma leva enorme de brasileiros incorporou-se ao universo de consumidores desses estabelecimentos.
Esta é uma explicação que atribui à ascensão social e econômica dos brasileiros, nas últimas décadas, a responsabilidade pela mudança. Sem assumir-se como tal, é preconceituosa – como se dissesse: “Quem deixa as bandejas nas mesas são os pobres, que antes não podiam comer nos shoppings e agora podem”. Como todo preconceito, trata-se de uma inverdade. Basta observar: é gente de todas as classes que come, deixa o prato sujo na mesa e vai embora.
Esse tipo de comportamento não se verifica apenas nas praças de alimentação dos shoppings. Ao fim da sessão de cinema, observe a quantidade de lixo que fica para trás – sacos de pipoca, garrafas de água, embalagens do Mc Donald’s… Também ao fim de um show. Ou de alguma competição esportiva. Vá ao estacionamento de algum supermercado e veja quantos carrinhos de compras encontrará encostado nos carros (no carro “dos outros”, claro, porque quem o trouxe até ali pôs as compras no seu carro e foi embora). Vá a estacionamentos residenciais e comerciais e veja como algumas pessoas guardam seus carros – invadindo o espaço dos outros, ocupando duas vagas…
Reúna tudo isso e você verá que o problema não é “culpa” da ascensão econômica e social de ninguém – é culpa de falta de educação e gentileza, sem distinção de classe. Na raiz desses gestos está uma mensagem clara: quem os pratica não está nem aí para os outros. “Por que não chegou cedo para pegar mesa vazia?” “Quem manda estacionar perto dos carrinhos?” “Por que não contratam funcionários para fazer este serviço?” Etc., etc., etc…
É o individualismo erigido à condição de modo de vida. Parcelas significativas da sociedade podem agir assim uma vida inteira, sem considerar em nenhum momento que precisam mudar, e até transmitindo para suas crianças esse modelo de comportamento. Dia desses um juiz que sempre respeitei pelo seu comportamento ético contou uma história interessante. Um brasileiro sempre pegava carona com um sueco para o trabalho. Chegavam cedo, e o sueco estacionava no lugar mais distante da porta. Um dia o brasileiro perguntou: “Tem vaga ali perto da porta. Por que você não estaciona lá?”. A resposta: “Deixo aquelas vagas para quem chega tarde e precisa apressar-se. A gente chega cedo e podemos ir andando sem risco de se atrasar”. Tomando este caso específico como exemplo, não significa que o sueco seja naturalmente uma pessoa melhor do que nós, ou que devamos idealizá-lo. Significa que ele é fruto de uma educação em que pensar no outro norteia o comportamento de cada um.