28.02

Em ilha do Japão, mulheres atingem média de 91,8 anos com estilo de vida voltado para o que é saudável e faz parte das tradições.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Abaixo da linha do Equador, nascemos sem vontade nenhuma de cultivar jardins e menos ainda a paciência, que é excelente conselheira: ajuda a ponderar, leva a refletir e estes dois exercícios têm o poder de proteger quem os pratica de desastres iminentes. Somos imediatistas, damos pouco valor ao espírito e demais à matéria, porque colocamos a possibilidade de prazer acima dos objetivos de paz. Uma vida pautada pelo equilíbrio, voltada para valores que dignificam, nem pensar. Somos devotos dos excessos, queremos a felicidade a qualquer custo – mesmo sem saber exatamente no que ela consiste. Vítimas eternas do tal “sangue latino”, deixamos que ele suba à cabeça por quase nada e chegamos a rir da forma sossegada com que outros povos levam a vida. Na cabeça da gente, aquelas pessoas perdem um tempo tremendo colhendo flores, ouvindo música clássica bem baixinho, achando a maior graça em serem acordadas pela cantoria de pássaros ou mesmo quando tomam um vinho com dois ou três amigos, enquanto a comida vai sendo preparada. Na verdade, quantos de nós não perguntamos aos nossos inocentes botões que graça existe em comer tanta folha, peixes e frutos do mar quando o dia a dia tem uma diversidade tão grande de fast food? E que falta de imaginação esquecer o carro na garagem. Ainda assim, fingimos não entender por que cargas d´água os japoneses vivem tanto (só perdem para o Principado de Mônaco, são os segundos com a maior expectativa de vida do mundo, 91,8 anos) e parecem cada vez mais satisfeitos.
A National Geographic Society, a partir do seu relatório Blue Zone, foi ajudar nesta busca por respostas, consciente de que elas só viriam através de uma investigação dos hábitos e costumes dos habitantes, especificamente da ilha de Okinawa. É lá que estão as mulheres mais longevas do planeta. De acordo com a CIA World Factbook, enquanto nos Estados Unidos a taxa de obesos é de 33% e na Espanha, de 26%, lá não ultrapassa a casa dos 5%, o que significa que as doenças cardiovasculares praticamente não passam de estranhas para a maior parte da população. Durante toda a vida, as habitantes mais velhas se alimentaram de plantas e o almoço é frugal, segundo o estudo: “Verduras refogadas, com batatas doces e tofu. Muitos nutrientes com baixas calorias. A carne fica reservada para ocasiões especiais” e, claro, a soja sempre muito bem-vinda, para não desmerecer o crédito dado a ela pelo American Journal of Clinical Nutrition de estar associada a benefícios contra o colesterol e à prevenção do câncer de mama. Embora neste último caso não haja ainda comprovação científica, instituições européias garantem que a incidência da doença em países do Oriente é muito menor.
Tudo leva a crer que parte da comunidade científica do Velho Mundo está certa ao estimar que a longevidade de um indivíduo depende em 1/3 de sua genética e em 2/3, dos seus hábitos. Na ilha, os jardins são excelentes motivos para manter os músculos trabalhando, enquanto os cuidados dispensados pela comunidade, em forma de apoio financeiro e emocional, respondem por manter a ansiedade em níveis reduzidos. E o estresse, que segundo a OMS é uma das maiores ameçadas à saúde no século 21, não consegue fazer sombra sobre rituais saudáveis, feitos em grupo, como a cerimônia do chá. Por outro lado, a vida ao ar livre estimula a produção da vitamina D, que ajuda na assimilação do cálcio e afasta o fantasma da osteoporose, que ronda o estilo de vida ocidental.
Mas a qualidade de vida não é uma preocupação que reina apenas entre moradores das ilhas. Vi, em parques de cidades como Tokyo e Osaka, idosos se exercitando com prazer, para depois degustar, com mais satisfação ainda, uma comida caseira irrepreensível. Sorte têm eles de ainda contar com governos que oferecem um sistema de saúde pública bom e acessível, além de segurança e lazer. Estamos tão longe disso que não cabe mais do que festejar (discretamente) o aumento da expectativa de vida, em uma década. Passamos de 74,6 anos para 74,9 anos.