03.03

Diante do risco de algo ruim acontecer a pessoas queridas, todos nós ficamos em alerta e inseguros.

Vandeck Santiago (texto)
Julio Jacobina (foto)

Não importa em que lugar do Brasil você esteja, o fato é que a epidemia do zika vírus já alterou a rotina e o comportamento de todos nós.
Ontem encontrei um amigo que está organizando evento cultural que acontecerá em abril em Pernambuco. Estava preocupado. Teve que mudar o local de hospedagem dos convidados (para um hotel em que eles possam ficar em quartos em andares altos); terá de providenciar um kit com repelentes e informações para cada um deles e teme que um ou outro desista da participação.
Também ontem especialistas em Brasília entrevistados pela Agência Estado diziam que a capital federal “não é área endêmica para o zika vírus e não há motivo para pânico”. Houve apenas dois casos do zika confirmados em Brasília, mas mesmo assim as pessoas estão assustadas com o risco de ser atingidas.
Até o momento não há comprovação de que o zika pode ser transmitido por meio de relação sexual, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o uso de camisinha e até – vejam só… – abstinência sexual para prevenir uma eventual contaminação. As recomendações constam do guia da OMS, intitulado Prevenção da potencial transmissão sexual do zika. “A entidade estuda mais de 10 casos de contaminação sexual para pessoas nos Estados Unidos e na Europa, a partir de parceiros que viajaram para regiões com forte infecção da doença, como o Brasil”, noticiava ontem O Globo.
Já a BBC fez matéria elencando “9 maneiras de se proteger contra o zika” e inclui como uma delas “evitar viagens” para os lugares “com maior incidência do mosquito e da doença”. Diz que “alguns governos chegaram até a recomendar que a população não viaje para os países que estão sofrendo com o problema”. Em janeiro passado o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomendou que mulheres grávidas ou que pretendam engravidar evitassem viajar ao Brasil e a mais 19 países da América Latina e do Caribe atingidos pelo vírus.
Estes são exemplos concretos de coisas visíveis. Mas há outros que dizem respeito aos nossos sentimentos. Diante do risco de algo ruim acontecer a pessoas queridas, todos nós nos inquietamos – e enquanto a possibilidade de “o pior acontecer” não desaparece, nos mantemos em alerta e inseguros.
Mas há outras consequências que só perceberemos no futuro, conforme explica a jornalista norte-americana Seema Yasmim, a primeira a cobrir a ocorrência do Ebola nos EUA, em 2014. “Epidemias são muito mais profundas do que apenas a propagação da doença”, afirma Yasmim, que também é epidemiologista e já trabalhou no CDC. “Um exemplo é a África Ocidental, onde só agora podemos observar os resultados finais da epidemia de Ebola. Houve crescimento nos números de gravidez na adolescência e casos de violência de gênero contra meninas e mulheres durante a crise. Precisamos buscar por essas histórias enquanto a crise acontece”. Ela fez as declarações em entrevista concedida em fevereiro passado ao Poynter Institute (centro de estudos especializado em jornalismo, sediado na Flórida), explicando as falhas que o jornalismo dos EUA cometeu nos primeiros momentos da cobertura do Ebola. A entrevista foi reproduzida no Brasil pela Abraji -Associação Brasileira de Jornalismo investigativo (Fazendo a cobertura do Zika? Não cometa os mesmos erros que os jornalistas que cobriram o Ebola, 12 de fevereiro).
No futuro, quando as dúvidas que temos hoje sobre o vírus estiverem esclarecidas, quando tivermos mais informações sobre tudo que está acontecendo, quando o pânico tiver passado e quando pudermos nos deter para refletir sobre as alterações ocorridas em nossa rotina, aí então poderemos ver o que significou para cada um de nós este período do Brasil nos tempos do zika.