foc0403p0015xPaulo Goethe (texto)
Everson Verdião (foto)

Trajetória do poeta, contista e engenheiro pernambucano será contada em documentário em 2017.

Na história de Pernambuco, pelo menos dois Joaquins se sobressaíram por ações e obras que orgulham até hoje os seus conterrâneos (seria isto megalomania?). O primeiro deles tinha o sobrenome de Nabuco (1849-1910). O político, diplomata, jurista e escritor deixou sua marca como uma das maiores figuras do movimento abolicionista.
O segundo Joaquim era um Cardozo (1897-1978), que ganhou fama em duas artes quase opostas, a poesia e a matemática. Como engenheiro, foi o responsável por fazer os cálculos estruturais dos projetos ousados de Oscar Niemeyer, incluindo os prédios de Brasília. Se as formas curvas hoje estão de pé, é porque Joaquim Cardozo, sem computador para ajudar, deu a sua garantia.
Os dois Joaquins têm uma relação direta com o Diario de Pernambuco. O jornal mais antigo em circulação na América Latina – e também em língua portuguesa (olha outra recaída megalomaníaca) – registrou os pensamentos dos dois autores, em forma de artigos, reportagens, poesias e até… desenhos. Enquanto Nabuco usava o Diario como tribuna para suas campanhas cívicas, Cardozo estreou profissionalmente fazendo caricaturas para o jornal.
Em 1914, quanto tinha 17 anos de idade, Joaquim Cardozo cursava o Ginásio Pernambucano e se preparava para ingressar na Escola de Engenharia. Recebeu a incumbência de ilustrar versos do então redator-secretário, Jáder de Andrade, que usava as iniciais “X. T”. Ele iniciou a colaboração na edição do dia 22 de fevereiro, um domingo de carnaval. Desenhou o presidente Hermes da Fonseca dirigindo-se ao baile do PRC, o poderoso partido da época. Os desenhos de Joaquim Cardozo continuariam sendo publicados aos domingos até a saída de Jáder de Andrade do jornal, em outubro. Era a hora do estudante se dedicar aos exames da Escola de Engenharia.
Após se graduar no Recife, Joaquim Cardozo trabalhou na Diretoria de Arquitetura e Urbanismo e integrou o corpo docente da Escola de Engenharia e de Belas Artes (da qual foi membro fundador). Em 1940, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se especializou em fazer cálculos de estruturas para os arquitetos da escola moderna Fernando Brito, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Jorge Moreira.
A parceria com Niemeyer começou em Belo Horizonte, nas obras da Pampulha. Depois, Cardozo fez os cálculos estruturais do Maracanãzinho, do monumento aos Pracinhas, no aterro do Flamengo e, finalmente, Brasília.
Em 1971, o desabamento do pavilhão da Gameleira, em Belo Horizonte, que resultou na morte de 68 operários, gerou um processo criminal contra Joaquim Cardozo. Ele e a empresa Serviços Gerais de Engenharia foram responsabilizados. No dia 17 de maio de 1975, o Diario noticiou que o Tribunal de Alçada o absolveria por unanimidade da condenação de dois anos de prisão. “Eu sinto mágoas de ferro cravadas no coração”, afirmou.
Já cansado, era o momento de Cardozo voltar para o Recife, cidade que sempre figurou em suas poesias. Como engenheiro e artista, ele já lamentava a descaracterização que a cidade sofria em nome do progresso. Como nestes versos famosos:
“Recife,/Ao clamor desta hora noturna e mágica/Vejo-te morto, mutilado, grande/Pregado à cruz das novas avenidas”
Solitário, Joaquim Cardozo morreu no dia 4 de novembro de 1978, aos 81 anos de idade, vítima de parada cardíaca “após longo processo de senilidade e falências progressivas”. Seu acervo de oito mil livros foi incorporado à biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco.
Além de ter virado nome de escola, Joaquim Cardozo tornou-se escultura no Recife dentro do Circuito da Poesia. Ele está de pé na Ponte Maurício de Nassau, contemplando a cidade que tanto desrespeitou a sua própria história.
Sua vida vai ser contada em documentário em 2017, quando são lembrados os 120 anos de nascimento do intelectual pernambucano. O longa será dirigido pelo cineasta carioca Joel Pizzini.