07.03

Formas tradicionais de celebrar o 8 de março podem ter efeito de “tiro pela culatra”.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (sobre foto de Helder Tavares/arquivo DP)

As mulheres não costumam dizer, mas gostariam de ganhar um presente no dia internacional delas – que fosse comemorado com mais criatividade. Nota-se certo cansaço. Já sabem que vão ver políticos exaltando a data; lojas tentando atrair maridos e namorados mais sensíveis (ou em dívida com a relação); instituições públicas distribuindo medalhas; vendedores de flores em maior número nos semáforos; prefeituras com ações medíocres; e pesquisas para medir quase tudo: se a violência contra elas aumentou, se melhoraram de posição no mercado de trabalho, se estão parindo menos e avançando socialmente mais. Difícil, em especial, é a ideia de responder a cumprimentos nas redes (Facebook e outros), enviados até por homens nada amistosos na convivência diária com companheira e filhos. Não seria excessivo dizer que elas andam cada vez menos tolerantes àquele “verniz” capaz de levar a pessoa a substituir a sinceridade pelo “faz de conta” apenas porque a permissão (recíproca) para enganar e ser enganado tornou-se parte das relações modernas.
No entanto, é preciso atentar para um aspecto: não que, de um século para cá, tenham se tornado ingratas e não entendam a importância do 8 de março. Apenas gostariam de poder apressar o tempo em que a igualdade de direitos e o nível de conquistas já estariam incorporados à rotina ao ponto de todo dia ser dia delas – e dos homens. Parte considerável avalia, inclusive, que uma data específica, enquanto busca fortalecer o papel e a importância de todas, acaba por reforçar aquela pálida tese do sexo frágil, que só resiste em sociedades onde as mulheres são culturalmente subjugadas. É o outro lado da medalha e porque, afinal, unanimidade não parece algo que apreciem ou faça parte da natureza da espécie. Ao menos as que moram abaixo da Linha do Equador gostam de polêmica e de tornar certos temas uma ilha cercada de palpites por todos os lados. Tudo em nome do debate.
Provavelmente, nenhuma mulher surpreendida pela pergunta saberia dizer qual a melhor maneira de comemorar o dia de amanhã, sem deixar de levar em conta a importância histórica da data. Mas não há dúvida que grande parte – a mais inquieta e com maior clareza sobre o seu papel no mundo – faria em segundos a lista de eventos e comportamentos sem os quais passariam muito bem obrigada, sobretudo aqueles que deixam transparecer improviso, falta de sinceridade com a causa. Não injustificadamente, intuição, inteligência e sentidos aguçados fazem da maioria bicho difícil de cair pela segunda vez na mesma armadilha, exceto, naturalmente, se esta for armada pelo coração. Pulemos este capítulo. Sendo assim, que tal não achar que está fazendo um bem enorme quando se dirigir a uma distinta representante do gênero, amanhã, com aquele surrado “parabéns” ou com chocolates recebidos na Páscoa passada? É preciso ao menos um pouco de bom senso e alguma criatividade para agradar, no 8 de março.
Zuleide (Zu) é a “funcionária” de uma amiga minha há dez anos, são como unha e carne, trocam ideias e lições, respeitados, naturalmente, os limites impostos pela alta escolaridade de uma e a baixa, de outra. Nem precisa dizer da importância do rádio na vida da moça, que sabe tudo o que está acontecendo, em detalhes, antes mesmo de virem comentar uma notícia como se fosse a maior novidade. Pois bem, Zu tem uma ideia formada sobre o 8 de março, o que a deixa fora daquela parcela que ainda se engana com corte de bolo, de cabelo e limpeza de pele oferecidos por prefeituras como forma de celebrar a data. Acha que Dia da Mulher é quando uma delas consegue fazer a defesa dos seus direitos e “não leva desaforo para casa”. Aos incautos, portanto,um aviso: se nesta terça-feira encontrar Zuleide ou alguma mulher minimamente esclarecida, não dê parabéns, abra um sorriso. Elas merecem.