06.03

No rol de ofertas que mais parecem louvação ao ócio, uma para o candidato só repousar e se divertir.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Emprego. Esta palavra tem se tornado sinônimo de privilégio, ainda mais diante das conclusões a que chegou a Organização Mundial de Trabalho (OIT), divulgadas em meados de janeiro – de acordo com o último relatório da instituição, o país produzirá, entre 2016 e 2017, um em cada cinco desempregados no mundo, algo perto de 700 mil brasileiros sem saber como pagar as contas. Diante de um mercado assim, classificado como “em apuros”, parece caída do céu a proposta da Nasa de pagar cerca de R$ 70 mil (US$ 18 mil) por 70 dias de “trabalho” a participantes de sua mais recente pesquisa. Se é que se pode chamar de trabalho ficar deitado, fumando maconha (caso queira), lendo livros, jogando videogames, falando no Skype e tendo como única exigência praticar tais atividade em posição de repouso.
Depois da informação, veiculada quinta-feira pelo site norte-americano Health Cure Center, milhões de cabeças, do Oiapoque ao Chuí, passaram a sonhar com a experiência, espécie de louvação ao ócio, ainda que ela sirva apenas para os pesquisadores chegarem a formas de preservar a saúde e a segurança dos tripulantes de naves em missões espaciais. A ordem, então, é repousar, pois só assim se cria o ambiente perfeito para a simulação de viagens em gravidade zero, sem peso e sem músculos tensos. A expectativa da Nasa é de que os resultados revelem o estado fisiológico dos astronautas no espaço e sua capacidade de executar determinadas tarefas. Isto levaria à criação de medidas para o enfrentamento a qualquer deficiência apresentada. Naturalmente, o participante não estaria como num reality show, sendo apenas observado o tempo inteiro, mas passando por testes – cardíacos, ósseos, musculares, nos sistemas circulatórios e nervoso, além daqueles destinados a avaliar a nutrição e a capacidade do corpo de combater infecções.
Achou muito “pesado”? É preciso não desanimar, porque o mundo está cheio de ofertas tentadoras, desde que o candidato tenha ao menos comprovada fluência em inglês. Sem isso ele pode, no máximo, tentar vaga em um restaurante, confundir “cozinha” (kitchen) com “frango” (chicken), na entrevista, e acabar exposto nas redes sociais pelo empregador, como aconteceu no recente e célebre caso ocorrido com um brasileiro, na Irlanda. Falar inglês é o passaporte para facilidades no mundo dos empregos, o que significa remuneração razoável sem grande desgaste de músculos e neurônios. Trabalhos que, diante da escassez de vagas e do alto nível de exigência de requisitos, no Brasil, dão aos escolhidos a impressão de ter tirado a sorte grande. Um café, na cidade britânica de Manchester, esteva recrutando interessados em ser babás de gatos, ao preço de R$ 41 a hora trabalhada. Sendo a atração do lugar, os bichanos justificam o investimento no cuidador exclusivo, que tem a tarefa de levá-los à apreciação da clientela.
Até um site de viagem andou colaborando para a teoria de que o emprego dos sonhos pode estar a um passo – neste caso, a um clique. Ofereceu R$ 240 mil para quem, falando inglês fluentemente, pudesse traduzir, nas redes sociais, os encantos de lugares exóticos visitados mundo afora durante um ano. Isto sem falar na primeira e segunda campanhas do escritório de promoção turística da Austrália. Esquecendo a fama do país de ter animais muito perigosos, o candidato podia escolher entre seis empregos para grandes apreciadores da boa vida (salário de cerca de R$ 200 mil por seis meses de contrato), entre eles não desgrudar os olhos de uma praia paradisíaca, em Queensland; fotografar os locais mais frequentados de Melbourne; e, como convidado VIP, ir a eventos, desfiles e festivais, em Sidney. Os promotores das oportunidades de ouro só não divulgam a quantidade de candidatos, mas, para quem vive em um país onde qualquer oferta de vaga faz a fila dobrar quarteirão, o tamanho do universo de interessados é só um detalhe.