08.03

Empresas doam dinheiro para todos os grandes partidos, para ficar bem com quem ganhar.

Vandeck Santiago (texto)
Julio Jacobina (foto)

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) partiu para o ataque ontem contra Gilberto Carvalho, ex-ministro de Dilma Rousseff e ex-chefe de gabinete de Lula. “É uma figura de menor estatura. Não merece sequer a minha resposta. Na verdade, o PT, acuado como está, esse senhor mesmo, alvo de tantas denúncias, passou a atacar os adversários”, disse Aécio, durante entrevista concedida em Minas Gerais. “Enfrento o PT há pelo menos duas décadas. Vocês aqui em Minas são testemunhas. Sei como agem. Sei o método que usam. Vimos isso nas últimas eleições. Na verdade, o PT tenta voltar seus ataques para a oposição. Deveria cuidar de se defender na Justiça. Seja esse cidadão (Carvalho), e vários outros que estão sendo acusados de vários crimes”, acrescentou.
O que motivou a ira de Aécio? Uma entrevista publicada, na Folha de S. Paulo, em que Gilberto Carvalho afirma: “(…) se a delação da Andrade Gutierrez for direcionada apenas contra o PT, esse escândalo vai ser insuportável, porque vai ser a confissão final de que a Lava-Jato é dirigida contra o PT. Pois todo mundo sabe que a Andrade Gutierrez é a casa do senhor Aécio Neves, é quem banca o Aécio Neves (grifo meu)”.
Trago a fala dos dois como exemplo do acirramento de ânimos que é a marca da nossa política no momento. Temos aí um senador e ex-candidato a presidente da República e um ex-ministro. Em condições normais, a conversa entre duas pessoas com tais referências deveria dar-se em outro nível, independentemente da rivalidade que tivessem. Mas no clima atual vira um ataque-revide, com a troca recíproca de acusações de desonestidade.
Quando acontece algo assim, é natural que o bate-boca ganhe destaque na redação das matérias – ofuscando partes importantes do que um e outro possam ter dito. Na entrevista de Gilberto Carvalho, por exemplo, o trecho que me pareceu mais importante não foi este contra Aécio, e sim outro em que ele reconhece erros do PT e fala sobre vulnerabilidades da Lava-Jato. “Eu sei que o PT errou, nós temos que reconhecer que errou. Além de não combater o financiamento empresarial, meteu-se a cometer erros através de várias pessoas, que se locupletaram (grifo meu). Não quero de maneira nenhuma negar isso”, afirmou Gilberto Carvalho.
Não tenho dúvidas que vocês, leitores inteligentes que me seguem, sabem o que significa “locupletar-se”. Mas o significado, no atual contexto, é tão forte que merece dar a definição do Dicionário Houaiss – significa “tornar-se rico, ou mais abastado. Enriquecer”. Então o que temos aí, com todas as letras, é um ex-ministro do governo petista, homem de confiança do PT, dizendo que “várias pessoas” do partido “se locupletaram”. Impressionante, ainda não tinha ouvido de um petista admissão tão contundente (quando estava no governo, Gilberto Carvalho chegou a ser criticado dentro do próprio partido, pelo que petistas consideravam “sincericídio” em suas declarações – uma espécie de sinceridade que equivalia a um suicídio).
Quem chegou mais perto disso foi o atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que em entrevista publicada no dia 3 de janeiro passado disse que o PT reproduziu metodologias antigas de financiamento privado de campanhas e “se lambuzou”. Nem o repórter perguntou nem ele disse o que significava “lambuzar-se”. A partir do que disse agora Gilberto Carvalho, dois meses depois, quero crer que para algumas pessoas significou “locupletar-se”.
Estaríamos sendo injustos, porém, se transcrevêssemos apenas esse trecho da entrevista de Gilberto Carvalho. Há outro trecho igualmente forte: “O problema é que quem criou isso, o mecanismo de financiamento empresarial de campanhas, não foi o PT. O mecanismo de financiamento empresarial de campanha é o mesmo para todos os partidos maiores. E todas as empresas doaram para ficar bem com os governantes (grifo meu). Isso precisa ser dito. O que as empresas fazem, na verdade, é uma espécie de investimento para não terem problema com o governante (grifo meu, de novo)”.
A face mais visível do acirramento de ânimos é o confronto entre os que pensam diferente. Mas no subtexto desses confrontos podem surgir afirmações que de outra forma nunca seriam feitas.