09.03

Observadores acham que aviação civil será primeiro setor a reagir, passada a crise econômica.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

O sossego nos saguões dos aeroportos e as constantes promoções de passagens aéreas são sinais expressivos de que a crise econômica caiu como meteoro sobre um dos maiores sonhos de consumo dos brasileiros: viajar. Mesmo antes da malfadada Copa de 2014, o mercado andava tão em alta que a expansão da aviação comercial passou a atrair o interesse de grandes grupos, inclusive do exterior, levando o governo brasileiro a apressar o processo de concessão, à iniciativa privada, de seis dos maiores aeroportos do país. Com o sobe e desce de aeronaves, crescia a crença de que os tempos de vacas gordas perdurariam a perder de vista. Duraram pouco. No entanto, apesar das turbulências e de nunca mais o céu ter se desenhado de brigadeiro, especialistas não comungam do pessimismo reinante, fortalecido pelo recuo de 3,8% no Produto Interno Bruto, em 2015, e pela possibilidade de o mau desempenho se repetir em 2016. Nem mesmo depois de alcançar crescimento inferior a 1% no ano passado e este já começar com uma queda de 4% na demanda por voos internacionais, o setor dá a impressão a estas pessoas de que vai se tornar moribundo.
Ao menos para profissionais que observam a saúde do segmento através dos sintomas emitidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a paixão dos brasileiros por viagens não deixa dúvidas: assim que a economia do país der sinais de que está deixando a UTI para se convalescer longe dos habituais perigos, a aviação civil será um dos primeiros setores a reagir. Detalhe: mais uma queda do dólar, ontem, funcionou como um pequeno sopro de esperança. Dentro desta expectativa, o governo não poderia mais perder tempo, correndo para acelerar a concessão dos aeroportos de Porto Alegre, Salvador, Florianópolis e Fortaleza, sem deixar, inclusive, de agir com rigor na punição àqueles que, uma vez privatizados, deixassem de cumprir o cronograma de investimentos.
Esses especialistas não acreditam, no entanto, que tais medidas possam ser postas em prática sem que haja fortalecimento da Anac, a caçula das agências reguladoras, com menos de onze anos de existência (2005). A crítica é de que os últimos dois ocupantes do Palácio do Planalto não demonstraram dose de boa vontade ao menos razoável com as agências, de modo geral, muitas delas  até hoje limitadas por aspectos estruturais que as impedem de cumprir sua missão – zelar pela qualidade do serviço, se colocando entre governo e concessionários sempre com o objetivo de defender o usuário.
Para refrescar a memória do leitor, basta lembrar que nos primeiros anos a Anac virou saco de pancada de inconformados com a qualidade do serviço, especialmente em datas onde o pico da demanda aumenta muito, o que é natural. Em qualquer lugar do mundo há insatisfeitos com a rotina dos aeroportos nestes períodos. Além do mais, para cumprir o papel de regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, a agência precisaria dispor de independência administrativa, autonomia financeira, não ser subordinada hierarquicamente e os dirigentes, que atuam em regime de colegiado, ter mandato fixo. Em última análise, a qualidade do funcionamento da Anac estaria na dependência do preenchimento dos seus quadros por pessoas tecnicamente capacitadas, a começar pelo comando.
Nos últimos anos, a nomeação de uma diretoria com perfil técnico revelou bons resultados, mostrando que este é o caminho. No entanto, nos próximos dias, a agência precisa remover uma pedra dele, com o fim do mandato de dois dos quatro executivos, entre eles o diretor-presidente e o diretor de Aeronavegabilidade. Em um sistema de decisão colegiada, os novos nomes precisam ser sabatinados pelo Senado – que também não vive dias sabáticos– e a presidente Dilma Rousseff, acelerar o ritmo das escolhas, se não quiser ver a agência parar. Espera-se agilidade, mas, sobretudo, que os partidos não tentem transformar os cargos em objetos de barganha política. Chega.