Um país em crise, mergulhado no desemprego e na violência, discute quem seria o melhor nome para assumir a presidência. Poderia ser o Brasil dos dias atuais, mas eram os Estados Unidos em agosto de 1968. Republicanos e democratas (depois do assassinato de Bob Kennedy) fariam suas convenções e as televisões NBC e CBS disputariam a audiência na primeira transmissão a cores destes eventos políticos. A ABC, sem o dinheiro das concorrentes, resolve convidar como debatedores dois polemistas de carteirinha: William F. Buckley Jr., porta-voz do movimento conservador, e Gore Vidal, democrata e esquerdista. O choque entre os dois, que mudou a história da televisão norte-americana, tornou-se o tema do documentário “Melhores inimigos” (Best of Enemies), lançado em 2015 e disponível no Netflix.
Com 88 minutos de duração e dirigido por Morgan Neville e Robert Gordon, “Melhores inimigos” é uma aula de edição e peça importante para o acervo de que gosta de jornalismo e política, não necessariamente nesta ordem. Os diretores não escondem a simpatia por Gore Vidal, mas traçam um perfil honesto dos dois personagens que um dia tentaram ser políticos, Buckley a prefeito de Nova York (1965) e Vidal a deputado pelo estado de Nova York (1960) e a senador pela Califórnia (1982). Ambos fracassaram. Ainda bem.
Costurado com imagens da época e trechos dos dez debates, o filme mostra o show de ironias e provocações trocadas ao vivo, que desembocaram numa histórica troca de insultos. Chamado de “criptonazista” por Vidal, Bluckley replicou com “sua bicha!” e “vou socar essa sua maldita cara até você ter de aparecer engessado!”.
A rede ABC atingiu a liderança de audiência graças ao show protagonizado por Buckley e Vidal. O formato do programa acabou sendo utilizado até pelos concorrentes em outros segmentos. Cientes dos seus papéis de intelectuais ao alcance do povo, os dois escritores receberam cada um US$ 70 mil, o que seria equivalente hoje a quase R$ 1 milhão. Mas nenhum dos dois conseguiu sair ileso da disputa.
Quase 50 anos depois, tanto Buckley (que depois foi conselheiro do vencedor Nixon) quanto Vidal não influenciam mais a sociedade norte-americana, assim como a televisão deixou de ser o meio de comunicação predominante. O documentário serve para mostrar o que acontece em uma sociedade em conflito. Esta lição, sim, continua atual.
O trailer oficial do filme aqui exibido não tem legendas em português, mas o documentário completo disponível no Netflix, sim. Serve para mostrar a delícia de ver as imagens de época, de uma TV perdida no túnel do tempo…