12.04

Adolescente de 15 anos é espancado em ônibus e desenha para expressar sua dor.

Marcionila Teixeira (texto)
Nando Chiappetta (foto)

Gustavo (nome fictício), 15 anos, nunca sentiu-se tão sozinho quanto naquele final de tarde de domingo. O sentimento preso no peito, ele libertou com a ajuda de suas armas mais poderosas: lápis e papel. Desenhou até exorcizar sua dor. Em pouco tempo, fez surgir uma arte tão poderosa quanto ele. Daí em diante, Gustavo fortaleceu-se para continuar sua busca por justiça. O adolescente é mais uma vítima de supostos integrantes de torcidas organizadas atuantes no estado. Protagonista de uma história de solidão, medo, racismo, impunidade. O desenho de Gustavo é um alerta. Para todos nós.
Aconteceu dentro de um ônibus da empresa Borborema, por volta das 17h do último domingo. Um dia de clássico entre Sport e Santa Cruz. O jovem voltava de uma tarde no cinema, no Shopping Center Recife, em Boa Viagem. Estava com um casal de primos, com 16 e 17 anos. No centro de compras, os três juntos pegaram um ônibus da linha Totó/Boa Viagem. Perto dali, cerca de duas paradas depois, começaria o inferno do menino.
Um grupo com cerca de 15 jovens, entre adultos e adolescentes, sobe no ônibus. Começa a baderna. Eles seguem para a parte de trás do coletivo. Mesmo local onde estavam Gustavo e os primos. Dirigem-se unicamente ao estudante. Pedem-lhe R$ 1,00. Ele não tem. Uma série interminável de espancamento é iniciada a partir daquela negativa. O menino, com sensibilidade comum somente a artistas, é atingido na cabeça, nos braços, nas pernas. O golpe mais forte é direcionado ao peito. A dor sentida na região, mesmo um dia depois do ataque, é prova do tamanho da agressão. Da covardia.
Gustavo tem a pele preta. Como a de um príncipe. É calado e doce. Um menino “massa”, costumam dizer os amigos de seus pais. Os desenhos são sua comunicação favorita. Vez por outra, sua mãe posta alguns dos melhores no Facebook. Logo repercutem em curtidas, em comentários. Estudante, ele nunca integrou uma torcida organizada. Nunca esteve em campo de futebol. Na tarde da agressão, Gustavo vestiu uma de suas melhores roupas e calçou uma basqueteira estilosa para ir ao cinema. No momento da invasão ao coletivo, o estudante não estava sozinho no ônibus. Por que somente ele foi abordado pelos agressores? A família de Gustavo faz essa pergunta desde então.
Perto do adolescente estavam seus primos, de pele mais clara. Também no entorno, outros passageiros, entre mulheres e homens adultos. Todos, sem exceção, passivos diante da dor do menino. Durante o espancamento, nem o motorista nem o cobrador tomaram qualquer atitude para impedir a violência. Seguiram com o ônibus como se nada estivesse acontecendo. Não pararam uma viatura da Polícia Militar, não pararam em uma delegacia. Seguiram até o destino ouvindo os gritos de guerra de um dos principais times do estado. O menino nunca sentira-se tão só. Depois de perder o celular para o bando, foi jogado para fora do ônibus.
Em meio aos pontapés e socos, tentava se justificar para evitar tamanha insanidade. Alegava não pertencer a qualquer torcida, explicou estar vindo do cinema. Mesmo assim, foi chamado de marginal. Enquanto isso, os primos, aterrorizados, ouviram dos agressores: “Não se preocupem. Dá para ver pelas roupas que vocês são de família”. O sensor do julgamento apontou para Gustavo naquele dia. Para a família da vítima, o fato do menino ser preto foi o principal motor da violência. “Ele também estava bem vestido e apanhou. Mesmo que inconscientemente, eles foram racistas”, reflete a mãe.
A violência das organizadas é alimentada pela impunidade. Apesar de proibidas de vestirem os uniformes característicos das torcidas, são escoltadas pela Polícia Militar até os estádios. As agressões com tiros têm aumentado e os verdadeiros torcedores se trancam em casa. Gustavo sobreviveu. Mas poderia ter morrido. Simplesmente porque decidiu divertir-se fora de casa em um dia de clássico. A família está em busca da punição. Prestou queixa na GPCA. Vai atrás das câmeras do ônibus. Querem identificar um a um os agressores.
As cadeiras vazias do desenho de Gustavo dizem muito do sentimento do menino. Não só isso. Revelam um comportamento amedrontado dos cidadãos, mas, antes de tudo, desprezível. “Era para ter pessoas nas cadeiras da frente. Mas não tinha. Porque se elas não me ajudaram é porque não estavam lá”, diz ele, explicando o simbolismo da imagem. O desenho de Gustavo é sim um alerta, mas deveria tornar-se símbolo contra a violência entre torcidas. Porque ninguém merece estar só em sua dor.