13.04

Elas estão sendo violadas, exploradas, prostituídas e até participam de ataques suicidas.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Definitivamente, o planeta parece estar fora do eixo, tomado por uma onda de violência que começa e deságua nas questões políticas, terminando por esgarçar ainda mais o frágil fio das relações humanas. E quem primeiro paga a conta, porque mais vulnerável? A infância. Enquanto, no Brasil, as crianças estão submetidas ao perigo iminente de morrer, entre outras causas, vitimadas por balas perdidas, na parte do mundo mais pobre e exposta à barbárie elas vivem o drama do abandono, da fome, da exploração e da incerteza sobre o próprio futuro. Ontem, o Unicef, Fundo das Nações Unidas para a infância e a adolescência, divulgou estudo sobre a situação das meninas na Nigéria, obrigadas pelo grupo extremista muçulmano Boko Haram – braço do Estado Islâmico, desde o ano passado – a participar de ataques suicidas. Estatística tão assustadora que em cada cinco das ocorrências ao menos um teria esta característica.
Não por acaso, a Unicef resolveu lançar mais este sinal de alerta sobre os perigos e crueldades praticadas contra as crianças, naquela região. Aproveitou a proximidade do segundo aniversário do rapto das mais de 200, de uma escola de Chibok, por homens do Boko Haram. Até agora, nenhuma foi localizada, apesar de uma campanha surgida a partir do clima de comoção mundial. De acordo com levantamentos da agência, elas são drogadas e cada vez mais utilizadas em ataques do grupo em Camarões, Nigéria e Chade, número que teria crescido onze vezes (de quatro para 44), desde 2014. E a gravidade da situação se estende a outro terreno minado para a infância – o sexual. Estão sujeitas a abusos e sendo obrigadas a casar com militantes do grupo. Quanto aos meninos, a sorte não é menos terrível, pois, uma vez recrutados, recebem ordens para atacar as próprias famílias como prova de lealdade ao Boko Haram. É ele, aliás, responsável por um clima tal de insegurança que fez 670 mil crianças ficarem sem aula por mais de um ano e mais de 1,8 mil escolas fechar as portas. Até hoje.
Também ontem, o governo alemão deu mostras de estar extremamente preocupado com a situação das crianças que se encontram sem os pais, em campos de refugiados no país. A separação das famílias acabou gerando uma lista fictícia de desaparecidos, pois muitas delas podem estar entre as milhares que chegaram ao país e lá, também, vivem em situação precária. Pelas contas do Unicef, até meados de 2015 já passavam de 106 mil. Alvo muito fácil para pessoas inescrupulosas, que enxergam nelas, inclusive, oportunidade de auferir lucros. Em abrigos privados na Itália, que não oferecem segurança nem condições mínimas de sobrevivência, elas rendem 75 euros diários a quem as acolhe. Muitas fogem, se perdem nas ruas e viram alvo de traficantes de drogas ou são aliciadas para a prostituição.
No obtuso mundo árabe, especialmente, pouco se sabe de iniciativas capazes de ultrapassar a barreira cultural que se destinada a manter subjugadas crianças do sexo feminino a quem quase tudo é proibido, sobretudo sonhar com independência. Mas, apesar de tudo, há quem se esforce, acredite. O objetivo da produção da Vila Sésamo afegã, por exemplo, é empoderar as meninas do país, ensinando, através da personagem Zari (cintilante), 6 anos, que elas podem fazer o que quiserem com seus véus, mesmo jogar futebol. Isso em um mundo assolado pela guerra e a pobreza, onde os pais preferem enviar à escola os filhos homens, é uma ajuda. Mas o grau de submissão a que tradicionalmente a mulher é exposta vai exigir que o país se abra para muitas outras aulas de empoderamento feminino. Esta, surpreendentemente, tem parceria como o Ministério da Educação local.