Um milagre foi ouvido em pleno cine-teatro do Parque há 86 anos. Pela primeira vez, os amantes da sétima arte conferiam a maravilha do som sincronizado com a imagem em movimento em preto e branco. No dia 24 de março de 1930, uma segunda-feira, o Recife – cidade então com 300 mil habitantes – conferia pela primeira vez a exibição de um filme sonoro. Tratava-se de “A divina dama”, da produtora norte-americana First National.
Na edição do dia 25, o Diario de Pernambuco, na sua coluna Scenas & Telas, registrava este acontecimento histórico: “Novidade no Recife, o conhecido cassino foi pequeno, apesar da sua ampla lotação, para conter a multidão que ali afluiu. As instalações do Parque, fornecidas pela Western Electric, são realmente excelentes e a fita tem como protagonista a encantadora Corine Griffith, simplesmente deliciosa, o que tudo justifica de sobra o êxito extraordinário com que foi acolhida a feliz iniciativa da empresa Severiano Ribeiro”.
Uma semana depois, no dia 31 de março de 1930 entrava em cartaz o primeiro filme falado, “Broadway Melody”, a primeira revista musical da Metro Goldwyn Mayer. Foi um sucesso tão grande que a canção tema tornou-se moda no Recife, interpretada ao piano nas casas de família, restaurantes e bordéis. No dia 22 de março de 1970, o Diario de Pernambuco relembrou este acontecimento, através de texto assinado pelo repórter Tadeu Rocha. O ingresso de cinema era caro na época, custando onze vezes o valor de uma passagem de bonde, que era apenas 200 réis. Mesmo assim, “as moças ricas do Espinheiro e dos Aflitos, as balconistas da Sloper e da 4 e 400 ou as operárias das fábricas da Torre e Macaxeira comentavam o celuloide que tinham visto”, descreveu Tadeu Rocha.
A revista semanal “Pra Você”, dirigida pelo poeta Willy Lewin e pelo pintor Lula Cardoso Ayres, publicou na edição de 5 de abril de 1930 um flagrante de beldades recifenses que passeavam pelo Centro do Recife. A legenda da foto? “Melodia da Rua Nova”. Naqueles dias, a Broadway nova-iorquina ganhou sua versão pernambucana. Tadeu Rocha ressaltou ainda que os intelectuais recifenses se dividiram em relação à novidade. O poeta Joaquim Cardoso preferia ficar com o Charles Chaplin mudo. O sociólogo Gilberto Freyre, por sua vez, defendia a nova técnica de contar histórias na tela grande. E não é que os dois tinham razão?