15.04

Estragos causados por clima de polarização política vão muito além do que as aparências sugerem.

Luce Pereira (texto)

São amargas as lições que ficarão deste tumultuado período da história política do Brasil, não apenas pelos estragos causados nos campos econômico e social. Algo muito mais valioso se perde um pouco a cada dia – a compreensão de que, independentemente de posições assumidas no campo ideológico, somos um povo. Era a certeza que deveria preceder, inclusive, a maior das dúvidas ao longo desta semana – o que será do país, depois do próximo domingo. Independentemente do resultado da votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a resposta, segunda-feira, encontrará uma nação já distante da tese de que é formada por uma gente pacífica, sempre disposta a relevar, “tirar por menos”.
Os tempos tornaram-se outros, modificados por um clima de animosidade que contaminou até as crianças, parte mais vulnerável de qualquer processo. Desde bater panelas a hostilizar coleguinhas em sala de aula, chegando ao cúmulo de expressar, em desenhos, o desejo de ver tal personagem política morta, elas passaram a reproduzir o comportamento dos pais, as figuras que mais força e influência exercem no imaginário infantil. Deveriam ser os primeiros a tentar traduzir, para elas, a realidade sem fanatismo, buscando explicar e não incutir o vírus do ódio. Afinal, o futuro aguarda eleitores conscientes do valor do debate, sem o qual democracia acaba confundida com baderna e o Brasil, um país a patinar nas mesmas deficiências crônicas.
Ontem, diante do que vê como “profunda crise ética, política, econômica e institucional”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil defendeu o diálogo e o discernimento como caminhos para a paz, ameaçada pelo clima de intolerância vigente. A declaração, saída de sua 54ª Assembleia Geral, só fortalece a certeza de que mudamos – e para pior. Erguemos muros visíveis e invisíveis contra a possibilidade de um entendimento amplo destinado a buscar apenas o bem do país. Domingo, um desses muros estará no eixo monumental de Brasília, separando claramente brasileiros de brasileiros enquanto parlamentares decidem o destino da presidente Dilma. Um muro para evitar o pior dos confrontos e a reedição de um clima ainda mais grave do que aquele visto nas ruas, em 2013, como prova de nossa falta de vocação para refletir.
Nações que não amadurecem pelo debate, nunca terão instituições fortes o bastante para combater inimigos ferozes do seu crescimento como a corrupção e a falta de ética. E num cenário assim, a manipulação de consciências encontra terreno fértil, abrindo-se então caminho perigoso para a desestabilidade política e, em consequência, para a falta de segurança e de paz. Surpreendentemente, no entanto, o fato de o país se encontrar a dois passos de um previsível abismo não evita manifestações expressas com frases do tipo “lavamos as mãos” ou “a sorte está lançada”. Na verdade, merecíamos melhor sorte, no mínimo a de continuar de um mesmo lado, como um mesmo povo, pois, divididos, somos menores e mais fracos.
Infelizmente, não existe bola de cristal nem qualquer certeza sobre que país seremos a partir da próxima semana, porém, é certo que não estaremos mais fortalecidos como povo – e esta é a principal perda. Todo o resto dependerá do resgate da capacidade de refletir, ainda que tardiamente, sobretudo sobre quais caminhos permitirão reencontrar a unidade perdida. Traduzindo o pensamento da CNBB, recolocar trem nos trilhos não é possível sem respeito ao pluralismo de ideias e opiniões. Sendo assim, o desafio terá a extensão do descarrilamento.