,foc1704p0010Instituições apelam para bom senso da população, a fim de evitar confrontos e episódios violentos.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Este não é um domingo “igual àquele que passou”, mas o dia da votação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados. Dia de ouvir o chamamento de instituições como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para uma séria reflexão em torno da necessidade de ânimos serenados antes, durante e depois de anunciada a escolha da Casa parlamentar, pois, a rigor, trata-se de uma guerra sem vencedores. Em qualquer das hipóteses todos terão perdido, porque os embates em torno do processo há muito paralisaram o país, tornando ainda mais severas as inúmeras dificuldades em setores importantes da vida civil. Seria uma chance de ouro para exigir, com a mesma energia, as reformas de que o Estado necessita a fim de recobrar as posições no continente, mas o debate abriu espaço à violência e impossibilitou milhares de perceber o óbvio: não se vai a lugar algum sem consciência sobre os passos a dar e o nível de firmeza que eles exigem.
Para piorar, os prejuízos não se limitam ao universo material. Não bastassem os decréscimos traduzidos nos tropeços reais, ainda há que se computar os danos subjetivos, alguns irreparáveis – a ideia de uma pátria de gente pacífica, por exemplo. Se “o melhor do Brasil ainda é seu povo”, o conceito pareceu perder-se no emaranhado de emoções conturbadas. Instituições e economia muito mais frágeis, dúvidas sobre o futuro e desconfiança na capacidade de governar dos mandatários ainda parecem ser o de menos diante da certeza de que brasileiros passaram a tratar brasileiros como inimigos, quando deveriam ter caminhado juntos em nome do bem da nação. Quando ela é enfraquecida, a imagem e a credibilidade do seu povo, aos olhos do mundo, também decaem.
Um somatório de erros faz deste domingo prova irrefutável da nossa dificuldade em aprender com lições terríveis. Sobre isso, é lamentável admitir, mas necessário dizer  – no que nos distanciamos enormemente de nações sem mais nada de relevante a acrescentar à qualidade do seu processo político e de suas instituições. O Brasil não amadureceu com os embates gigantescos em nome da redemocratização e reedita seus descompassos mais graves como se o mundo estivesse disposto a vê-los apenas como escorregadelas sem importância, coisa de “gigante temperamental”. O mundo não só não entende como demonstra estar perplexo com a promiscuidade entre os poderes econômico e político, que deságua em um mar de corrupção só comparável àquele no qual se deleitaram os piores governos, aqueles viciados em governar de costas para o povo.
Independentemente dos questionamentos e insatisfações que marcaram todo o processo de impeachment, deixando expostas as deficiências das maiores instituições nacionais em conduzir de forma serena e isenta causas de crucial importância para o país, não é nem um pouco razoável duvidar que tudo pode ser pior, neste domingo, se os ânimos estiverem contaminados pela mesma intolerância vista nas ruas e nas redes sociais. A propaganda em torno de tanta violência, inclusive, acabou por criar a casta dos “mortos de medo”, justamente aqueles que decidiram não arredar o pé de casa, neste dia, temendo distúrbios. Não vão existir se a população, ao menos nesta crença, se mantiver unida: daqui para a frente, somente com um mínimo de tranquilidade será possível ajudar o Brasil a se transformar no que o grande líder negro Nelson Mandela sonhou para a terra dele – um país onde o bom tratamento deva ser privilégio dos melhores (mais éticos, justos, honestos). E não o contrário.