“Sinto-me com as necessárias forças morais para exercer com probidade e patriotismo, sem me deixar arrastar pelos desvarios da paixão partidária e sem me subordinar a outros interesses que não sejam do Brasil, ávido de ordem para prosperar, de direito para viver e de liberdade para respirar”. Esta frase foi pronunciada por um deputado pernambucano, mas não na sessão de domingo que deu prosseguimento ao impeachment de uma presidente da República. Trata-se, na verdade, de um discurso do garanhuense Antônio de Souto Filho, quando lançou-se à candidatura para a Constituinte de 1933. De baixa estatura, franzino e de fala mansa, era apelidado de “Frasquinho de Veneno” pelos adversários políticos.
Tendo começado na vida pública como chefe de gabinete do general Dantas Barreto, para os seus seguidores ele ensinava que o político, para ser realmente político, era obrigado, às vezes, a engolir sapos, “sem vinho do Porto”. Não se importava em ser chato às vezes, mas sempre cedendo no final. Em seu livro “Memórias Brancas”, publicado em 1963, Elpídio Branco conta história em que levou amigo para pedir dinheiro emprestado a Souto Filho. A pessoa precisava de vinte contos de réis. “Frasquinho de Veneno” disse que não emprestava dinheiro a amigos. “Porque se não pagar, perco só o dinheiro”. Mesmo assim, fez o empréstimo. E não recebeu.
Ficou também famoso o embate que ele teve no Rio de Janeiro com Agamenon Magalhães. Ambos deputados, trocaram palavras fortes a respeito do fechamento do jornal O Estado no Recife, a mando do então governador Sérgio Loreto. “Vossa Excelência é um retardatário, só hoje é que vem falar aqui em liberdades públicas”, disse Agamenon. “Retardatário é Vossa Excelência, que sempre foi um reacionário”, rebateu Souto Filho. Impedido de agredir “Frasquinho de Veneno”, Agamenon teve uma crise de nervos.
Em 1 de fevereiro de 1969, o escritor Mauro Mota colocou “Frasquinho de Veneno” numa relação de apelidos curiosos pernambucanos, ao lado de “Cabugá”, “Chico Macaco”, “Bico-Doce”, “Curió Sem Rabo” e “Bodião de Escama” (o homem que virou verbete de dicionário e marca de cigarro, tema de outra postagem do blog. Ficou curioso? Clique aqui). Segundo Mauro Mota, a alcunha do antigo chefe político de Garanhuns foi dada “pela estatura e malícia que botava nos discursos e nos apartes da Câmara”. No seu artigo publicado no Diario de Pernambuco, Mota conta que encaminharia a lista para o poeta Carlos Drummond de Andrade, que estava publicando uma série de nomes curiosas na coluna que mantinha no jornal Correio da Manhã.
No dia 7 de abril de 1973, Mauro Mota voltou a escrever sobre “Frasquinho de Veneno” no Diario de Pernambuco. Citava uma quadrinha sobre o garanhuense, criada por Esmaragdo de Freitas, desembargador e colunista do jornal recifense Diário da Manhã, cuja seção Chumbo Fino distribuía alfinetadas. Sobre o deputado, a poesia era apenas engraçadinha:
Na Farmácia Conceição,
o frasco de estricnina
vendo Soutinho na esquina
espatifou-se no chão.
O deputado era filho do major Antonio da Silva Souto, o primeiro prefeito de Garanhuns. Atuou como curador geral de órfãos e chegou a dirigir um jornal no Recife, A Rua, que se autodefinia como “órgão de livre opinião vigilante no bem político do estado e nas legítimas aspirações da comunhão pernambucana”. Ficou no cargo entre abril e dezembro de 1924.
Faleceu no Recife, em 19 de junho de 1937, vítima de parada cardíaca. Era líder da oposição na Câmara Estadual, onde exerceu mandatos desde 1913. O Diario de Pernambuco publicou o registro dos elogios das autoridades no seu enterro em Garanhuns. Em 2001, o jornalista Ildefonso Fonseca publicou o livro “A Essência Política num Frasquinho de Veneno”, o 11º volume do projeto Perfil Parlamentar Século 20, da Assembleia Legislativa com o apoio do Diario de Pernambuco. O frasco poderia ter se rompido, mas a história do veneno ficou.