20.04

Três trabalhos disputando e a chance do nosso cinema brilhar no festival mais importante do mundo.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Vivendo um desalentador momento político, o país mal tem olhos para ver o que acontece fora de Brasília. Mas nem tudo se resume a protestos e esperneios, ao menos no que diz respeito ao cinema nacional, agora fortalecido com a vistosa colher de chá dada por Pernambuco através de Aquarius, filme de Kleber Mendonça Filho, selecionado para disputar a Palma de Ouro do importante Festival de Cannes, na França, entre os dias 11 e 22 de maio. Na verdade, são leves as asas nas quais voam atualmente cineastas pernambucanos, pois, não bastasse a performance de Mendonça, que põe fim a um jejum de oito anos sem o país colocar os pés na mostra principal, ainda tem os curtas-metragens O delírio é a redenção dos aflitos, de Fellipe Fernandes (mostra paralela Semana da Crítica) e Abigail, da carioca Isabel Penioni e da pernambucana Valentina Homem (Quinzena dos Realizadores). O outro curta nacional a concorrer é A moça que dançou com o diabo, do paulista João Paulo Miranda (SP).
Naturalmente, o anúncio de Aquarius como indicado para competir na mostra de maior visibilidade só poderia mesmo despertar o interesse da crítica brasileira, ainda bem lembrada do sucesso retumbante, em nível mundial, que foi o longa O som ao redor, de Kleber Mendonça, considerado, depois do trabalho, uma das maiores revelações da nova geração de cineastas brasileiros. Literalmente “bem na fita”, o pernambucano foi buscar Sônia Braga para ser a protagonista da história – jornalista aposentada e viúva que se insurge contra os planos de uma construtora de colocar abaixo o edifício Aquarius, onde vive com os filhos – e, a julgar pelos repetidos elogios feitos ao desempenho dela, não se arrependeu nem um milímetro. Mas há outro nome que também já desembarca no festival com ganhos indiretos – Fellipe Fernandes, que recebeu elogios rasgados do diretor artístico da mostra paralela, Charles Tesson. Referindo-se ao curta O delírio é a redenção dos aflitos, Tesson disse que se tratava de um trabalho “maravilhoso”, com “surpreendente delicadeza poética”.
No entanto, a batalha pela Palma de Ouro e outras premiações promete ser duríssima para os competidores da cena pernambucana, pois, se nos últimos dois anos o evento não conseguia reunir mais do que 20 filmes na mostra oficial, em 2016, recobrou o status de maior festival de cinema do mundo, contando com a presença de diretores aclamadíssimos como Pedro Almodóvar, Luc Dardenne, Christian Mungiu, Ken Loach, Olivier Assayas, além de Paul Verhoeven, Sean Penn e Xavier Dolan, só para citar alguns dos que atraem holofotes no mundo inteiro. É bom não esquecer, ainda, de colocar nesta lista o americano Paul Schrader, que retorna assinando o thriller Dog eat dog, com Nicholas Cage tentando, como sempre, roubar a cena. A mostra da Semana da Crítica de longas-metragens é composta por sete produções – da Espanha, Turquia, Líbano, Índia, França, Camboja e Israel.
Não apenas por ter conseguido trazer de volta à competição muitas das figuras consideradas sinônimo de prestígio para qualquer festival de cinema que se preze, Cannes quer dar mostras de estar reoxigenado através de surpresas de última hora, como sugeriu seu diretor artístico, Thierry Frémaux. Neste ano, por exemplo, são três as cineastas mulheres concorrendo (na última década, somente em 2011 havia duas nesta condição) e quatro diretores no páreo pela primeira vez, entre eles, Kleber Mendonça Filho, que, aliás, depois de O som ao redor, conseguiu não deixar nenhuma dúvida sobre sua grande capacidade de surpreender.
A questão é que trazendo ou não um dos prêmios mais cobiçados do cinema, os pernambucanos já podem se sentir parte do seleto grupo no qual somente alguns na América Latina conseguiram entrar. Não é pouco. Ainda mais diante de um contexto político tão adverso, que só consegue enxergar a cultura como algo que sempre pode ficar para depois.