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“Domésticas têm aqui um duplo sentido. Quer dizer ao mesmo tempo do lar, da família – mulher quituteira, que não lê, não escreve e, sobretudo, não pensa. O outro sentido ainda é mais interessante, porque nos equipara à quase generalidade dos animais inferiores. Domésticas quer então dizer autômatas, submissas, escravas”. Em tempos de discussão sobre os termos “bela, recatada e do lar”, uma volta no passado é necessária. Por isso o resgate da crítica feita por Ida Marinha Rego, que há 83 anos era diretora da Escola Técnico Profissional Masculina no Recife. Enfrentando o preconceito de ocupar um cargo de prestígio em uma elite predominantemente masculina, ela foi uma das 19 feministas entrevistadas pelo Diario de Pernambuco no primeiro semestre de 1933 dentro de uma enquete sobre “a representação da mulher na futura constituinte”.

“Ilustres senhoras e senhorinhas” das sociedades pernambucana, paraibana e alagoana participaram da pesquisa, com suas ideias e fotos publicadas no jornal no período de 26 de janeiro a 4 de abril de 1933. O Diario abria um espaço inédito para o pensamento feminista, que buscava igualdade no mercado de trabalho e também mais liberdades individuais para as mulheres como o direito ao divórcio. A possibilidade de votar sem precisar do consentimento do marido – como determinava a anterior legislação eleitoral antes de 1932 – era uma bandeira de todas.

Terceira maior capital do país, o Recife fervilhava com a possibilidade de ter representantes femininas na lista dos deputados que produziriam a nova Constituição do país, em 1934. A cidade abrigava filiais de duas instituições nacionais – a Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino e a Cruzada Feminista Brasileira – e as entrevistadas pelo Diario de Pernambuco ocupavam postos na educação e na cultura, propagando suas ideias nos jornais e eventos públicos. Poderiam até ser belas e recatadas (conforme a moda vigente), mas longe do conceito de se dedicarem exclusivamente ao lar.

Na composição das entrevistas, sobressaía-se o nome da professora, poetisa, escritora e também jornalista Edwiges de Sá Pereira como a indicada para se candidatar a deputada. Em 1920 ela já havia ocupado a cadeira número sete na Academia Pernambucana de Letras, um feito inédito no mundo das letras na América Latina. Nas eleições realizadas em 3 de maio, praticamente um mês depois da enquete do Diario de Pernambuco, Edwiges, aos 46 anos, obteve 50 votos no primeiro turno e 1.630 no segundo turno, não conseguindo vaga entre os constituintes. Outra concorrente pernambucana, Martha de Hollanda, 28 anos, obteve 50 e 216 votos, respectivamente. Martha, defensora do divórcio, ao contrário de Edwiges, que propagava os “valores católicos”, não integrou a enquete do jornal, apesar de sua atuação destacada. Mais jovem e mais independente, não obteve o apoio necessário para sua candidatura avulsa.

As mulheres que defenderam suas ideias no Diario de Pernambuco não concordavam entre si em muitos aspectos, mas sabiam da importância histórica de registrar seu testemunho. O feminismo da época podia ser bem comportado, mas não se pode classificar posturas como a defesa do casamento indissolúvel como conservadorismo. Mesmo pertencendo à elite da época, abriram caminho para outras gerações que contestam agora o conceito do que se espera de uma mulher.

PARA SABER MAIS:

O feminismo no Recife e a questão do voto (1931-1934): um debate historiográfico, por Marcelo Melo da Silva. Clique aqui.

O voto de saias: a Constituinte de 1934 e a participação das mulheres na política, por Rita de Cássia Barbosa de Araújo. Clique aqui.