Egressa da Funase, jovem encontra dificuldades para se firmar no mercado e ser aceita na família
Marcionila Teixeira (texto)
Rafael Martins (foto)
Ela acaba de completar 18 anos. E seus sonhos já começam a virar pó. Em agosto do ano passado, quando deixou o Case Santa Luzia, na Torre, unidade da capital destinada a meninas em conflito com a lei, alimentava alguns planos. Conhecer o artista plástico Romero Britto. Arrumar um emprego. Reencontrar a família. Do lado de fora da prisão, encontrou a realidade da qual estava afastada desde os 15 anos. E ela não tem sido nada fácil.
Foram quase três anos encerrada no espaço. Dois deles sem visitas. Cumpria medida socioeducativa de internamento por uma infração grave cometida no Agreste, ainda aos 14 anos. Apesar de hoje estar liberta, apesar da maioridade, será preciso tratá-la com o nome fictício Maria ao longo do texto. Pela segurança da jovem.
De volta à vida como ela é, descobriu-se sem aceitação da família. Por um curto espaço de tempo, conviveu na casa de uma irmã, mas decidiu partir. Não se sentia à vontade com todos os moradores. O pai, conta, parece ter se afastado intencionalmente. “Ligo para o número que ele me deu e não consigo falar. E ele agora não sabe onde moro”, lamenta a jovem, orfã de mãe. Diante das portas fechadas, decidiu dividir o mesmo teto precário com um amiga, também egressa da Funase, em uma comunidade do Recife.
Apesar das tentativas, Maria ainda não encontrou uma boa colocação no mercado. Andou trabalhando na casa de uma família. O serviço consistia em cuidar de uma idosa, de uma criança e da limpeza da casa. Toda essa responsabilidade lhe renderia apenas R$ 200,00 por mês. Desentendeu-se com a patroa. Saiu do emprego. A situação ficou ainda pior.
No dia de nossa conversa, de tão triste, Maria fez um desabafo. “A vida aqui fora está pior que na Funase. Às vezes, queria voltar para lá. Tinha vontade de ver meus parentes, mostrar que mudei, mas eles não me perdoaram. Antes de ser presa, trabalhava na feira com meus pais. Também gostava de festa, de fumar, de beber. Na Funase, deixei o cigarro e a bebida. Comecei a engordar”, lembra. O sentimento de Maria é compreensível. Remete à desilusão. A sociedade, incluindo a família, parece ser implacável com egressos da Funase. No novo cenário, o desafio é sobreviver sem voltar a praticar crimes.
O professor Carlos Tomaz, da Gerência de Educação em Direitos Humanos e Inclusão, da Secretaria Estadual de Educação, e professor da Escola Carlos Alberto Gonçalves de Almeida, cujo anexo funciona no Case Santa Luzia, conheceu a jovem quando ela cumpria medida socioeducativa. “Na escola, a gente planta sonhos nas meninas, já desiludidas por conta da condição de internas. Elas acreditam nos professores e, quando saem da internação, deparam-se com a triste realidade. Mesmo juridicamente estando limpas para a lei, o estigma de ex-internas continua sendo reforçado pela sociedade. Isso também é muito duro para a gente que é professor”, reflete.
Maria diz desejar qualquer emprego. Mas gostaria mesmo de trabalhar com crianças. Inclusive tem uma filha, hoje sob os cuidados da avó paterna. A jovem não sabe se terá chances com o currículo onde consta um crime. O sonho de conhecer Romero Britto ainda insiste. Bate na consciência e faz voltar o brilho dos olhos. Ela conseguiu que uma carta chegasse até o artista, cuja moradia é nos EUA. Foi com a ajuda do empresário Gilson Machado. Depois de conhecer a história da ex-interna através do jornal, ele aproveitou uma viagem a Miami para entregar a correspondência ao artista.
Os parentes distantes, conta ela, têm medo de ameaças. Desde os 14 anos elas permeiam a vida de Maria. Surgem da família onde a jovem plantou uma semente de mágoa. São parentes de sua vítima. Por isso, optamos por omitir seu nome. Em quase três anos dentro do Case, por dois deles não recebeu visitas. Era considerada a moradora mais antiga do espaço. Testemunhou meninas entrando e saindo enquanto ela permanecia.
Na visão da lei, Maria pagou sua infração, como são chamados os crimes praticados por menores de idade. Na visão da sociedade, ela talvez nunca seja perdoada. Muito jovem, talvez ainda não esteja certa disso. Mas quem de nós, na realidade, está certo do que está para acontecer nas próximas horas? Maria é vida que segue. Não qualquer vida. A dela está marcada. Para sempre.