Em Foco 02.05

Cunha criou a multa cidadã. Um shopping de Piedade, a multa moral. E, assim, cada um faz sua parte.

Marcionila Teixeira (texto)
Rafael Martins (foto)

Qual sua primeira reação ao ver alguém cometendo uma irregularidade no trânsito? O consultor de empresas Francisco Cunha, 59 anos, saca do bolso uma verdadeira arma. De cidadania. Há cinco anos, inspirado em uma pesquisa rápida nas redes sociais e na realidade das ruas do Recife, criou a própria multa cidadã. O tal instrumento funciona como uma lição para os mal-educados e pouco afeitos às leis de trânsito. Por onde caminha, Cunha “notifica” os motoristas que insistem em estacionar sobre as calçadas. “O maior problema das calçadas não são os buracos. São os carros”, ressalta. Até agora, calcula ter aplicado mais de dez mil multas. Até arrisca dizer que mudou a mentalidade de alguns deles.
A tarefa, no entanto, não é fácil. Ele logo avisa: a multa provoca as mais diversas reações no motorista. Pelas contas dele, apenas 10% aceitam a “notificação” e reconhecem estar errados. Os 90%, bem, esses reagem das mais diversas formas. Jogam o papel fora e até insultam Cunha com palavrões. Mas o consultor não desiste. Até porque acredita nos resultados de sua ação. “Os amigos perguntam se eu não me canso. Digo que pelo menos no percurso que faço diariamente, na Rua Barão de Itamaracá, no Espinheiro, não vejo mais carros na calçada. Acho que os motoristas cansaram de receber minhas multas”, diz, brincando.
Quando o consultor não consegue flagrar o motorista desobediente, deixa uma folha do talão cidadão na janela do carro. A tal multa traz informações do Código de Trânsito Brasileiro sobre estacionar na calçada. Trata-se de infração grave (cinco pontos na carteira), cabe remoção do veículo para depósito do Detran e multa de R$ 127,69.
O consultor também costuma multiplicar sua ação. Presenteia os amigos com talões para que eles também se tornem agentes em prol de calçadas livres para o pedestre. “Não estacione na calçada. Além de ser uma infração grave, é um enorme desrespeito ao cidadão pedestre. A calçada é o primeiro degrau da cidadania urbana. Quando ela não é respeitada, não se pode esperar respeito por mais nada numa cidade”, diz a mensagem contida na folhinha.
Para alívio de quem pensa como Cunha, um aviso: ele não está só na defesa de um trânsito melhor para todos. Uma ação semelhante acontece no estacionamento do Shopping Guararapes, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes. O centro de compras criou há dois anos a multa moral, um alerta pedagógico para os motoristas que insistem em estacionar nas vagas destinadas a idosos, pessoas com deficiência e gestantes. A administração do shopping calcula aplicar, por dia, cerca de 60 “notificações” em carros que estacionam de maneira irregular.
A ação educativa ganha reforço nos próximos dias 7 e 8, dentro do projeto Maio Amarelo, em parceria com o Detran-PE e a Uninassau. De forma lúdica e interativa, os agentes do shopping conversarão com as pessoas e darão orientações sobre a utilização correta dos espaços.
Não possuo multa cidadã ou multa moral. Mas fico indignada quando vejo motoristas sem pré-requisitos estacionando em vagas especiais. Vez por outra, espero a pessoa descer do carro para o flagrante. Dia desses, avisei a um grupo de profissionais que eles estavam na vaga de idosos de um shopping da cidade. Em silêncio, voltaram para o veículo para retirá-lo do lugar. Pelo menos desta vez deu certo. Portanto, devolvam as calçadas aos pedestres. Devolvam as vagas de estacionamento às pessoas com deficiência, gestantes e idosos. Por uma cidade melhor para todos.