04.05

País superou Chicago, Madri e Tóquio para sediar Jogos, mas fará evento em clima de instabilidade.

Vandeck Santiago (texto)
Célio Messias/AFP (foto)

Ontem foi um dia propício para lembrar de setembro de 2009. Naquele mês daquele ano o Brasil disputou com países desenvolvidos o direito de sediar os Jogos Olímpicos. Pelo Brasil, o Rio de Janeiro; pelos outros países, Tóquio (Japão), Chicago (EUA) e Madri (Espanha). Só pesos-pesados. Ganhou o Rio. O clima na época era de um otimismo generalizado no Brasil. Um estudo largamente citado estimava que a Olimpíada poderia gerar 120 mil empregos e movimentar cerca de US$ 51 bilhões.
Por que ontem foi um dia propício para lembrar disso? Porque ontem aconteceu no Palácio do Planalto a cerimônia de acendimento da tocha olímpica, que marca a chegada dos Jogos ao Brasil. Cerca de sete anos depois daquela vitória sobre Chicago, Madri e Tóquio, o clima em que estamos envoltos é de um pessimismo generalizado. A própria presidente Dilma Rousseff pode ser afastada do cargo nos próximos dias, caso o processo de impeachment seja aprovado na primeira votação no Senado.
Em seu discurso, Dilma afirmou que a Rio-2016 (de 5 a 21 de agosto) será a mais bem-sucedida edição dos Jogos. “[O Brasil] Está pronto e nós trabalhamos para isso”, disse ela. “Praticamente, todas as instalações esportivas nos centros olímpicos da Barra e de Deodoro estão prontas. Todos os 39 eventos-testes realizados até agora foram bem-sucedidos”. Não deixou de mencionar, porém, a “instabilidade política” e o momento “muito difícil” pelo qual passa o Brasil. Quando a situação vai mal, até votos de sucesso têm de vir acompanhados de um “mas”, que servem para mostrar a outra face do cenário – e não poderia ser diferente, sob risco de o autor do discurso passar a imagem de que não quer encarar a realidade tal como ela é.
O ano de 2009 marca também a melhor colocação obtida pelo Brasil na Nation Brands Index (NBI), uma pesquisa que mede a imagem externa de 50 países. Desde que foi criada, em 2005, o Brasil foi o país em desenvolvimento que mais avançou posições no ranking. Está hoje em 20º lugar, acima da Rússia e um pouco abaixo da Bélgica e Irlanda. Ocupa esta confortável posição desde 2009.
Mas hoje quem ameaça esta reputação são os Jogos Olímpicos, disse em entrevista à BBC o consultor britânico Simon Anholt, criador do índice NBI e apresentado no texto como “referência mundial em pesquisas sobre imagem internacional de países”. É que a exposição massiva dos problemas do país durante os Jogos (não só da crise política e econômica, mas sobretudo da desigualdade e violência) projeta uma imagem do país que não é aquela que a maioria das pessoas no estrangeiro tem. O ranking da NBI não tem o peso daquele da agência de classificação de risco Moody’s, que em fevereiro passado rebaixou o Brasil em sua lista, retirando do país o selo de bom pagador – na prática, algo assim como se o país tivesse se tornado um cliente com maior risco de dar calote. Mas tudo se combina em uma espiral de pessimismo que bom efeito não dá.
Em meio a tudo isso há um aspecto que merece atenção especial: a chama olímpica significa algo que tem estado ausente em nossa conflituada situação política, a tolerância. Anteontem, na Suíça, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, falou sobre isso. “Estou confiante que os brasileiros vão respeitar a dignidade da chama olímpica e o que ela representa: tolerância”, disse ele. “Pelo grande apoio dos brasileiros aos Jogos Olímpicos, acredito que os grupos políticos vão respeitar a chama, se não seria contraprodutivo para seus esforços. Eles devem expressar suas opiniões de uma maneira livre, mas não devem tentar fazer dos Jogos parte da disputa política no país”.
Na cerimônia de ontem, em Brasília, Dilma seguiu na mesma trilha, ao afirmar que “a capacidade de culturas diferentes conviverem de forma respeitosa é uma das principais mensagens” dos Jogos, e que “temos de nos esforçar para não perder o espírito de tolerância cultural e também de tolerância e convívio com opiniões diferentes”. Tomara que seja este o principal legado que a Rio-2016 nos deixe.