05.05

Desfile da Chanel e chegada do primeiro navio de cruzeiro em 50 anos consolidam abertura.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Se havia um adjetivo que até há pouco não combinava com Cuba era fashionista, agora usado de forma repetitiva para traduzir a mudança de cenário, em Havana, causada pelo vaivém de modelos e celebridades convidadas a participar ou ver o histórico desfile da grife francesa Chanel, nesta terça-feira. Mas, também, já não correspondiam à vida na velha ilha comunista o rebolado do vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger, e a invasão de turistas falando, sobretudo, inglês. Sinal dos novos tempos. Por isso, quem ainda faz planos de reter na memória a imagem do que sobrou do período castrista precisa apressar a viagem que, agora, já pode ser feita naqueles suntuosos navios de cruzeiros.
Em 2011, embarquei em um destes grandalhões da Royal Caribbean, saindo de Miami, e recordo bem o desapontamento de muitos passageiros (inclusive o meu) diante da impossibilidade de desembarcar em Cuba. Contornamos a ilha, supondo muito distante o tempo em que o embargo comercial imposto pelos Estados Unidos teria fim, mas, ledo engano: os grossos muros erguidos pela Guerra Fria deram sinal muito cedo de que não resistiriam mais aos apelos do mundo capitalista. Foi sem surpresas que o Fathom Adonia, da americana Carnival, transportando 700 passageiros, buzinou ruidosamente, na última segunda-feira, agitando as águas do Malecón e as dezenas de curiosos que o aguardavam no cais. Nenhuma surpresa, também, quando cubanos eufóricos com a chegada do navio repetiam para câmeras de tvs estrangeiras que separação dos EUA, “nunca mais”.
Dizendo-se emocionados, turistas norte-americanos que pagaram de US$ 1,8 mil a US$ 7 mil pela viagem, logo começaram a disparar suas câmeras em direção aos prédios mal conservados, embora ainda imponentes, enquanto trabalhadores envolvidos na produção do desfile da Chanel arrastavam enormes volumes com equipamentos e roupas. No meio de tantas novidades, quem mesmo iria estranhar as lantejoulas no paletó do estilista alemão Karl Lagerfeld, 82, brilhando debaixo do sol do Passeio do Prado de Havana (1722), enquanto segurava pela mão um garoto loirinho, sob muitos aplausos? Nas calçadas próximas, olhando o movimento como a um filme de realismo fantástico, a população de ilhéus, para a qual não poderia existir nada mais proibitivo do que o preço das roupas da grife. Ganhando salário em torno de US$ 25, nem mesmo puderam ver o desfile, realizado em uma das áreas mais históricas de Cuba. A propósito, a coleção de meia-estação chama-se Cruise 2017, talvez para lembrar que o Malecón nunca mais terá sossego, com a chegada e saída de navios lotados de turistas.
Naturalmente, o contraste entre a pobreza de Cuba e a invasão dos fashionistas e cheios de dinheiro ficou tão evidenciado que suscitou reações de pouca ou nenhuma simpatia, embora mais discretas em relação àquelas de entusiasmo pela chegada dos ventos soprados da América. Enquanto o tempo não passa com sua nada sutil “máquina” de apagar, o novo se anuncia sempre como bom motivo para por barbas de molho e é o que muitos intelectuais têm feito. Na opinião destes, neste caso, as mudanças viriam em doses homeopáticas e não de forma avassaladora e vertiginosa.
Se é para tirar as próprias conclusões e se despedir da Havana castrista, o viajante deve se apressar, pois sobram sinais de que a influência de Miami está mais próxima da ilha do que possa supor nossa vã filosofia. Lamentavelmente, o governo federal acaba de aumentar em quase quatro vezes o IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras) que incide na compra de moeda estrangeira em espécie. Mas a História não espera e, em relação a Cuba, as páginas dela estão sendo viradas num piscar de olhos.