Em Foco 09.05

Reconhecimento pode contribuir para a implementação de políticas públicas para essas mulheres.

Marcionila Teixeira (texto)
Eduardo Queiroga (foto)

Elas “pegam menino”, trazem vidas novas ao mundo. Mulheres com um dom divino, como diria Expedita Carlota, de Trindade, no Sertão pernambucano. As parteiras são história, resistência e simbolismo em um país desassistido de políticas públicas de saúde eficazes, principalmente para os mais pobres. Depois de cinco anos de luta, ONGs e associações comemoram a reabertura do processo de Reconhecimento dos saberes e práticas das parteiras tradicionais como patrimônio cultural do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O processo foi aberto em 2011 pelo Instituto Nômades, Grupo Curumim, Associação das Parteiras Tradicionais e Hospitalares de Jaboatão dos Guararapes e Associação das Parteiras Tradicionais de Caruaru. Na época, a Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial entendeu que o pedido não era pertinente, mesmo com o parecer favorável do Iphan em Pernambuco. No mês passado, a pauta foi retomada e analisada a pedido da deputada federal Janete Capiberibe (PSB/AP). Desta vez o parecer foi favorável. O caminho para o reconhecimento, no entanto, ainda é longo. Mas a primeira conquista já pode ser comemorada.
Na prática, o que muda para as parteiras caso seu ofício receba o título de Patrimônio Cultural do Brasil? Dan Gayoso, do Instituto Nômades, diz que o reconhecimento pode contribuir para a implementação de políticas públicas de cultura e saúde para essas mulheres, inclusive evitando que seus saberes sumam com o passar dos anos. “O ofício está em situação de fragilidade. Com o título, caberá ao Iphan a tarefa de manter viva a tradição das parteiras”, explica.
Dan refere-se a um conjunto de fatores para explicar a fragilidade da ocupação, como o modo de transmissão do saber – através da oralidade, a desvalorização do ofício em uma sociedade onde a tecnologia e o conhecimento biomédico são supervalorizados, a avançada idade da maioria das parteiras em atuação e a preferência das mulheres pelo parto hospitalar.
Entre 2008 e 2011, o Instituto Nômades foi a campo com os projetos Saberes e práticas das parteiras tradicionais de Pernambuco e Saberes e práticas das parteiras indígenas de Pernambuco. Ao todo foram entrevistadas 220 mulheres nos dois inventários realizados nas cidades de Igarassu, Jaboatão, Ipojuca, Trindade, Caruaru e Palmares e nas etnias Pankararu, Xucuru e Kapinawá. Algumas das mulheres, inclusive, já faleceram sem testemunhar seu ofício se tornar patrimônio.
O primeiro inventário revela uma transformação na prática das parteiras a partir do contato com o modelo biomédico de atenção à saúde e da participação das mulheres em cursos de capacitação para parteiras promovidos pela Secretaria Estadual da Saúde e ONGs. O documento preparado junto às etnias aponta uma realidade mais triste. Na aldeia Mina Grande (Kapinawá), por exemplo, há cerca de dez anos não nasce mais nenhum bebê pelas mãos de parteira. Fatores como disponibilidade dos veículos da Funai e da Funasa para transferir parturientes para o hospital e o incentivo ao parto hospitalar explicam o cenário.
Todas as visitas às parteiras foram registradas com fotos de Eduardo Queiroga. Em alguns lugares, as pesquisadoras precisaram caminhar horas para chegar ao destino. O resultado do belo trabalho está na exposição Parteiras – um mundo pelas mãos. O acesso é gratuito e a exposição ficará em cartaz até a próxima quarta-feira, na praça central de Goiana. Um detalhe é que todas as fotos estão impressas em tecido e ficarão expostas em um grande varal.