Em Foco 10.05

Uma coisa é (com todo respeito) apoiar show da Claudia Leitte; outra é a gravação do CD de Galo Preto.

Vandeck Santiago (texto)
Beto Figueiroa (foto)

Eu poderia estar falando de chuva, eu poderia estar falando da anulação do impeachment, eu poderia estar até falando do querido Santa Cruz, mas se vocês me permitem, embora isso dê menos audiência, eu vou falar é de cultura. É que ontem saiu a lista dos 117 projetos aprovados na 17ª edição (2015-2016) do Rumos Itaú Cultural, o maior programa de incentivo à produção artística no país. Seis deles são de Pernambuco (na foto, Grupo Bongar, de Olinda, que terá CD gravado). O programa se presta a diversas avaliações, mas neste espaço eu quero destacar três, por emblemáticas que são da questão do incentivo à cultura: primeira, o apoio a projetos de baixo apelo mercadológico, e que muitas vezes estão fora dos grandes centros urbanos; segunda, a destinação de verbas para a cultura em um período de escassez de recursos em todas as áreas; terceira, a questão regional.
Quando vejo a lista de selecionados em programas semelhantes, reitero minha convicção de que o PIB cultural do Nordeste é indiscutivelmente maior do que o econômico. Neste, o Nordeste representa meros 13%. Já na lista de ontem, do Rumos, a região ficou em segundo lugar, com 23,08% dos projetos aprovados. O Sudeste (cuja fatia no PIB nacional é de 55,2%) ficou em primeiro lugar, com 52,99% dos projetos selecionados. Não é um resultado isolado; em edições anteriores, e também em outros programas, encontramos dados semelhantes. Não é um percentual para ficar resignado; mantém-se uma ostensiva concentração de aprovados no Sudeste. “Questões geográficas não são pressupostos do Rumos, mas sim o desejo de diversidade e alcance”, afirmou ontem o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron (pode não ser pressuposto, mas é uma questão da qual não se pode fugir – e que o próprio instituto, ano após ano, tem buscado atenuar, com a adoção de medidas que permitem maior participação das regiões). Os projetos podem ser de artistas de uma região, mas o objeto incidir sobre outras.
Em termos estaduais, São Paulo lidera a lista, com 34 selecionados (29,3% do total). Vêm a seguir o Rio de Janeiro, com 16 (13,8%); Minas Gerais, 10 (8,6%); Bahia, oito (6,9%), e Pernambuco, com seis (5,2%). Os selecionados de Pernambuco são:
1. Figuras mágicas (Mundo da Mágica): Pesquisa histórico-cultural a ser transformada em espetáculo. Relaciona os bonecos de barro do Alto do Moura (Caruaru) com figuras mecânicas criadas por ilusionistas na Europeu (autômatos) nos séculos 18 e 19. Do pernambucano Rapha Santacruz com a dupla de ilusionistas Vik e Fabrini (São Paulo). / Estados impactados: Pernambuco e São Paulo
2. Jeguatá (Ana Carvalho). Fotografía / Estado e país impactados: Rio Grande do Sul/Argentina
3. Ogum Iê! (Grupo Bongar) – Gravação de CD. O Grupo é formado por músicos do Quilombo do Portão do Gelo (Olinda), ligados ao terreiro Xambá. A direção é do maestro Letieres Leite. / Estados impactados: Pernambuco e São Paulo
4. Residência Artística e Produção de Obra em Belém do Pará (Juliana Notari Nascimento). Produção visual. / Estados impactados: Pará/Pernambuco
5. São Francisco submerso – o lago de Itaparica (Luiz Pereira Lins Netto). Mapeamento e documentação dos municípios que foram inundados pela construção de hidrelétricas da Chesf no Sertão. / Estados impactados: Pernambuco/Bahia
6. Acervo Euvaldo Macedo Filho (Elson de Assis Rabelo). Resgate da produção do chamado “Fotógrafo do São Francisco”, Euvaldo Macedo Filho, nascido em Juazeiro (BA). Vai reunir 12 mil itens do artista. / Estado impactado: Pernambuco
Além destes, ainda há outro inscrito por São Paulo mas que enfoca um dos personagens que é considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco: o Mestre Galo Preto. O projeto aprovado prevê a gravação do primeiro CD dele, com cantorias de emboladas e sambada do Sertão. Galo Preto nasceu no Quilombo Rainha Isabel (município de Bom Conselho), em 1935.
O Rumos é um programa do banco Itaú. Para este ano a verba total é de R$ 15,5 milhões. Houve 12.126 projetos inscritos. Apoiar um show da Claúdia Leite é fácil (digo isso sem nenhum demérito para a cantora; é só para efeito de comparação entre produtos de grande e baixo apelo mercadológico); difícil é apoiar o resgate da obra de um fotógrafo do São Francisco ou a gravação do CD de um quilombola.