25.05

Apresentadora e ex-modelo Ana Hickmann é a vítima mais recente da obsessão por celebridades.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Geralmente, distância e altura de palcos e telas passam a dimensão exata do fosso que separa fãs de ídolos, mas quem disse que a maioria se dá por vencida e aceita os obstáculos próprios da diferença de condição? Muito pelo contrário. Fã que é fã logo trata não somente de ignorar barreiras como vencê-las e criar uma proximidade sempre maior, imaginando mil fórmulas para encurtar o caminho até o “objeto do desejo”. Não se contenta com manifestações coletivas de carinho pelo público, busca gestos exclusivos, que denotem atenção diferenciada – e é aí que mora o perigo. A crônica cotidiana, mundo afora, está cheia de casos em que a admiração se transforma em fanatismo, com a história acabando de forma trágica. Uma das mais emblemáticas é a do beatle John Lennon, assassinado na porta de casa, em Nova York, no dia 8 de dezembro de 1980, enquanto dava autógrafo. No último sábado, por pouco não foi, também, o drama vivido pela apresentadora Ana Hickmann, enquanto estava hospedada em um hotel em Belo Horizonte. O fã Rodrigo Augusto de Pádua, 30 anos, invadiu o quarto e atirou, mas acabou atingindo a assessora, Giovana Alves de Oliveira, sendo em seguida morto pelo sócio da ex-modelo, Gustavo Henrique Correa, com quem havia entrado em luta corporal.
Na última segunda-feira, um fã aparentando 25 anos tentou invadir o condomínio onde mora a cantora Annita, na Barra da Tijuca. Em um carro de luxo, se fez passar por outra pessoa, driblou a segurança e foi bater à porta do imóvel, sendo recebido pela mãe da artista. Apesar da confusão, não aconteceu nenhum tipo de violência, pois o rapaz não estava armado. No entanto, Annita se queixou enormemente, depois do susto, e acabou em uma delegacia. Quando a situação não chega a extremos, o assédio, muitas vezes, parece insuportável e o “adorado”  perde as estribeiras. Caso do cantor goiano Jorge, da dupla Jorge e Mateus, que no último sábado, depois de fazer um show em São Paulo, foi seguido por um grupo de fãs até o aeroporto e não gostou, apesar de ceder aos pedidos de pose para fotos: “Você estava lá no show, não precisava ter vindo para cá. A atenção que a gente dá no show não é suficiente? Eu atendi mais de 150 pessoas hoje. Chego aqui no aeroporto e tem mais essa galera para atender. E eu não descanso nunca? Não sou ser humano?”, desabafou, entre cansado e impaciente.
Desde quando a música e o cinema passaram a construir lendas ao redor do mundo, nem sempre comportamentos de admiração desmedida foram tolerados por muitas delas. Na noite de segunda-feira, quando um canal de TV por assinatura exibia documentário de Martin Scorsese sobre Bob Dylan (que está completando 75 anos), via-se um Dylan completamente sem paciência, em alguns momentos, com fãs que esticavam bloquinhos de papel para dentro do carro onde ele estava, depois de um show. Os dois lados trocaram frases cheias de aborrecimento, mas o artista não cedeu.
Os psicólogos, sempre à luz do que disseram a respeito Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, costumam identificar mais este tipo de atitude na adolescência, quando o indivíduo começa a descobrir o mundo e a ver que pai e mãe têm defeitos, surgindo, portanto, a necessidade de criar para si outro modelo de ídolo, aquele no qual tudo parece ser o suprassumo da perfeição. Assim, os profissionais consideram a transferência normal, nesta faixa etária, mas não quando o objeto da adoração passa a ser único e a substituir todos os interesses. Numa época em que as redes sociais parecem abrir uma porta para a sala de estar das estrelas, a fantasia não tem limites. Mas cabe ao ídolo definir fronteiras  e esclarecer papéis, sob pena de se tornar cúmplice em tragédias nas quais é o único alvo.