Em Hiroshima, presidente disse que progresso tecnológico tem que vir acompanhado de progresso moral
Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)
Se é que esta expressão ainda vale, Barack Obama, “é o cara”. Durante os dois mandatos (está a menos de oito meses de se despedir da Presidência dos Estados Unidos), empenhou-se em deixar um legado à altura do desafio que enfrentou como o primeiro negro a chegar à Casa Branca e em quem os norte-americanos depositaram todas as fichas. Não devem, ao vê-lo sair do governo, achar que fizeram mau negócio. Espírito jovial, inteligente e demonstrando estar sempre em sintonia com a História e com o seu tempo, não só derreteu o gelo produzido por 50 anos de Guerra Fria e encurtou a distância entre o seu país e Cuba como levou o Vaticano a fazer o mesmo. O papa Francisco, na visita histórica a Havana parecia se sentir em casa, enquanto o próprio Obama era só sorrisos quando foi recebido pelos habitantes da ilha de Fidel. Agora, decidiu agir para humanizar a tragédia de Hiroshima e tornou-se o primeiro mandatário no exercício do cargo, depois do fatídico dia, a visitar a cidade japonesa. Não seria um mea culpa pelo ato surgido a partir de uma ordem do então ocupante da casa Branca, Harry Truman, em 6 de agosto de 1945, mas uma demonstração de respeito às cicatrizes deixadas pela bomba e, ainda, um gesto de preocupação com a mesma ameaça, que segue rondando as futuras gerações.
Durante a visita de sexta-feira a Hiroshima, a sensibilidade do presidente em relação ao problema transparecia nos abraços em velhos que sobreviveram à tragédia. Estava de fato emocionado, mas, durante o discurso, não prometeu que assumiria a expectativa de muitos japoneses de se transformar em líder do processo para evitar o avanço das armas nucleares. Com tão pouco tempo de mandato pela frente, passou a defender que o progresso tecnológico tem que vir acompanhado de progresso moral, sob pena de a humanidade pagar preço ainda mais dramático. “Ainda há muito trabalho a fazer”, disse, sobre o tema, ao chegar ao Japão para participar de uma reunião de cúpula do G-7. Para bons entendedores, frases pinçadas aqui e ali eram uma referência ao perigo que representa o complicado e temível vizinho, a Coreia do Norte, ditadura que aposta no poderio nuclear, cujo desenvolvimento nem a comunidade internacional conseguiu deter.
A era Obama vai deixar marcas expressivas também neste terreno. Foram anos em que se organizaram as cúpulas de segurança nuclear e quando houve novo tratado de redução de ogivas com a Rússia. Sem esquecer a luta até o difícílimo acordo com o Irã na tentativa de afastar as armas atômicas do arsenal dos aiatolás que comandam o país. Ganhador do Nobel da Paz em 2009, Barack Obama sabe quanto é tortuoso o caminho para garanti-la, ainda mais quando há tantos países e grupos extremistas interessados no assunto. Os primeiros desejando ter a própria bomba e os últimos, sonhando ao menos com material radioativo para usá-lo como meio de semear o pânico. Ou seja, nada leva a crer que a terrível lição – deixada a partir do mal causado pela “rosa radioativa estúpida e inválida”, assim descrita na música de Vinícius de Moraes – tenha sido aprendida pela humanidade. O fantasma continua à espreita, com olhos bem abertos.
Inevitáveis são as tentativas de imaginar o perfil do próximo ocupante da Casa Branca. A depender do eleito, os americanos poderão sentir imensa saudade do tempo em que tinham um presidente preocupado em por fim a velhas inimizades, afagar cicatrizes e contribuir para um futuro menos sujeito a ameaças aterradoras. A propósito, não só os americanos – a paz, também.