Em Foco 05.06

 

Hoje, chega a lembrar um álbum de páginas amareladas o tempo em que uma ideia na cabeça e uma câmera na mão era a grande receita para fazer cinema e ter a possibilidade de ficar famoso. A época profetizada pelo múltiplo Andy Warhol (EUA, 1928/1987), nos anos 1960, quando o artista imaginou que no futuro todos teriam direito a 15 minutos de fama, já é a dos dias atuais e as “máquinas” de fabricar celebridades instantâneas não param de aparecer. Nada de equipamentos pesados ou caros, conhecimentos específicos ou mesmo dinheiro em bom tamanho: basta alguma empatia com o público, geralmente fazendo a linha “gente como a gente”, um smartphone e nenhuma inibição. Pronto: do dia para a noite a pessoa sai do anonimato, passa a ter milhões de seguidores, anunciantes/patrocinadores e a percorrer o caminho inverso da fama tal qual acontecia há cinquenta anos. Agora, as redes sociais criam o “artista” e a televisão só referenda o sucesso. Ou seja, as novas atrações do universo do entretenimento não dependem mais de câmeras e holofotes para ganhar o mundo.
Gostem ou não gostem, as gerações que passaram pelos Beatles, a Bossa Nova e a Tropicália são obrigadas a se render à realidade ungida pelo mundo virtual, que tem dado voz e todo o espaço a gente muito novinha, sem nenhum compromisso em formar cabeças pensantes. É a hora e a vez da diversão que pode salvar humanos comuns do seu maior pesadelo – o anonimato – e, trabalhando em favor disso, multiplicam-se ferramentas/aplicativos que não param de dar aos telefones móveis status de santo de devoção. Ficar sem um é, em tese, abrir mão do sonho de se ver admirado e querido por milhões, num piscar de olhos.
Assim nasceram, por exemplo, dois fenômenos nordestinos: a blogueira de moda pernambucana Camila Coutinho, alçada ao mais alto posto nacional das celebridades anônimas, com o seu blog Garotas Estúpidas, e a musa maranhense do SnapChat, Thaynara OG. Bem, se a senhora, o senhor, por acaso acha que elas não têm direito a fãs histéricos, agenda e vida de ídolos, além de saúde financeira em fase de robusto crescimento, é melhor dar uma olhada nos rastros da passagem de Thaynara, semana passada, pelo Recife. No camarim da moça, inúmeros presentes e mimos mandados por grandes empresas, compromissos profissionais (entrevistas, presença vip em eventos etc) e um monte de tietes aos gritos à espera de um sorriso, algumas palavras, além de, claro, muitas selfies. O que a estrela faz? Ela é ela, com um sotaque que bem de longe anuncia o local de nascimento e bordões repetidos pelo país afora, como “kiu!” (algo, segundo a própria, equivalente à expressão “vôte!”, que ainda hoje não sai da boca de gente antiga do interior de Pernambuco). Em vídeos engraçados ou descontraídos, de dez segundos (já tem mais de 400 mil visualizações no canal), a advogada de 24 anos fala sobre coisas da rotina e assim vai alimentando o exército de seguidores, entre eles, famosos como a atriz Bruna Marquezine, a apresentadora Sabrina Sato, o blogueiro Hugo Gloss e o padre Fábio de Melo, este último, outro fenômeno das redes sociais, agora também adepto dos vídeos rápidos e certeiros.
Pode-se dizer que o mundo virtual não é para gente que gosta de funcionar como se estivesse subindo ladeira e sem hora para atingir o topo. Foi ali e voltou, já existe uma ferramenta nova, todas com a função primordial de estreitar o caminho entre o anonimato e a fama, sonho dourado de quem nunca conseguiria “chegar lá” por vias, digamos, mais conservadoras e tradicionais. Assim, o vocabulário também vai mudando. Acostume-se, portanto, a termos como youtuber (indivíduo que faz vídeos para o YouTube) e vlogger ou vogleiro (pessoa que tem um videoblog ou um blog em que os conteúdos predominantes são vídeos). Ou seja, o caminho escolhido por gente que quer colocar o rosto no mundo. Caso de Kéfera Buchmann de Matos, 23 anos, o maior nome entre os vlogueiros do país. Paranaense, apresentadora e escritora, ao menos alguns traços a moça tem em comum com Thaynara e Camila Coutinho – é jovem, bonita e muito comunicativa. Mas a lista de celebridades surgidas do conto de fadas virtual vai exigindo cada vez mais espaço na memória da população, embora só faça mesmo sentido para quem anda transitando entre a adolescência e os 30 anos e está pouco preocupado em saber se Freud explica ou não. Na verdade, até mesmo em saber quem foi Freud, o que, convenhamos, é uma pena – pois, independentemente do passar dos séculos, cultura sempre será o maior de todos os referenciais (e diferenciais) humanos.