Em Foco 06.06

As tragédias são ponto de partida para se pensar sobre verdadeira consciência ambiental.

Silvia Bessa (texto)
Ricardo Fernandes (foto)

Faz uma semana que Kelly Bianca, ex-moradora do bairro do Passarinho, zona Norte do Recife, deixou seus pais órfãos de filha. Ela era a única criança da família. Tinha só quatro anos quando foi levada pelo destino que cerca tantos pernambucanos no inverno ou em dias de chuva intensa. Kelly dormia quando, antes mesmo do sol raiar naquela segunda-feira trágica, 30 de maio, foi soterrada junto com paredes de quartos, banheiros e sala da residência humilde onde morava. Por pedaços de cimento esfarelados de um muro construído de forma irregular na barreira de cima, segundo análises iniciais de técnicos. Enlutado, o pai de Kelly, o jardineiro Rivaldo Costa, disse que estão todos “arrasados”. Por certo, parte dele ficou ali, naquela terra molhada que fechou os olhos de sua menina.
Se se for compilar dados da volumosa e devastadora chuva, pode-se acreditar que a morte de Kelly e de outras três vítimas da cidade de Olinda são casos isolados. Afinal, 200 milímetros de precipitação, o equivalente a 67% da média do mês de maio, é fora do esperado. Se se considerar o medo que famílias moradoras de altos e áreas de riscos, pode-se dizer que o sentimento visto na segunda-feira é algo corriqueiro para parte da população.
Na Rua do Amanhecer (nome poético e triste que em nada combina com a morte), faleceram mãe, filho e sobrinha. Três de uma mesma família, que hoje chora a saudade de: Alexsandra Moraes, 36 anos; do filho dela, João Vitor de Moraes, de 7 anos; e da sobrinha, Bárbara, de 23 anos. Foram vítimas de deslizamento de terra.
A vizinha Ana Lúcia teve o livramento. Confessou na semana passada, contudo, fazer tempo que não dorme nos dias chuvosos e que se apressa para tirar sua família nos momentos de tensão. De acordo com Ana Lúcia, antes da fatídica data, um pedaço da mesma barreira já tinha caído e a Defesa Civil foi chamada para providências – o que não aconteceu. A casa onde se registrou os mortos, por exemplo, teria sido destruída anteriormente. O medo, por consequência, é antigo conhecido dos moradores da Rua do Amanhecer.
Neles, nesses conterrâneos, é em quem primeiro devemos pensar nesse mês de junho, com histórico chuvoso, e no restante do ano, quando é possível fazer trabalhos de prevenção. Quem trafega pelo Recife e Região Metropolitana em dias caóticos sofre com engarrafamentos, alagamentos, carros submersos em garagens de prédios. Reclama porque guarda-chuva não suporta os respingos, pelas árvores caídas e transtornos menores. Muda a rotina, perde o dia de expediente, deixa de levar as crianças para a escola por causa de aulas canceladas, recorre a um bote para se deslocar. Mas se adapta. E o movimento passa, a vida entra em seu curso normal.
Quem está sob risco de queda de barreira ou de perda da vida de um familiar, abate-se com angústias incomparavelmente maiores. Não dorme, vive com receio de perder patrimônio de uma vida inteira todos os dias quando acorda (se dorme), encolhe filhos em um quarto que se salva de goteiras. Passa humilhação. Quem mora em morros, muitas vezes possuidores de condições financeiras mais baixas, nem sempre tem condições de se moldar, proteger ou resguardar outros.
Tem-se muito com que vibrar diante do avanço da educação ambiental da população, constatação necessária nesses dias em razão das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Cabe, entretanto, lembrar que consciência ambiental é perceber que nós, seres humanos, somos algozes e vítimas em pensamentos e gestos. E um olhar para o ser humano mais necessitado, esse que não tem como lidar com as variações climáticas ou depende de autoridades para o enfrentamento, pode ser o primeiro passo para sermos na prática ambientalistas praticantes e modernos.