Em Foco 04.06

Diario viajou 150 quilômetros até São Caetano para contar história de carroceiro honesto.

Marcionila Teixeira
Rafael Martins (foto)

Naquela tarde de sexta-feira, Ednaldo contava com apenas R$ 22,00 na carteira. Seguia tranquilo com a mulher em uma carroça puxada por um burrinho, o Chocolate. Tal apelido, na verdade, também pertence a Ednaldo. No município onde mora, em São Caetano, no Agreste, sua cor preta lhe rendeu essa e outras alcunhas indesejáveis. O fato é que, a partir daquele dia, Ednaldo, quase sem dinheiro no bolso, viraria celebridade. Mas porque um homem pobre, filho de uma prole com 34 meninos e meninas e com pouco estudo passaria a ser tão respeitado em uma cidade a ponto de ser cumprimentado por conhecidos e desconhecidos por onde quer que vá? Ednaldo Sizenando da Silva, 33 anos, tirou a sorte grande a caminho da casa da sogra. Ele chama tal destino de presente de Deus.
Uma mochila. Assim começa a história. Ednaldo viu quando a bolsa caiu de uma camionete em movimento em plena BR-232. Lentamente ele se aproximou do objeto, colocou dentro da carroça e seguiu destino. A partir dali, a decisão que tomaria acerca daquele achado acertaria os ponteiros do seu futuro. Há dois meses ele passava maus bocados. Demitido de uma empresa, estava trabalhando como biscateiro. A situação para ele não estava nada fácil sem o emprego fixo com carteira assinada ao qual estava acostumado. Com a renda, sustentava a casa, onde mora a mulher – uma dona de casa – e um enteado.
A diferença entre Ednaldo e uma grande parte das pessoas é seu ponto de vista ético, algo incomum de achar ultimamente no brasileiro. Após se deparar com R$ 7 mil, celular, tablet e cheques em branco dentro da mochila, ele resolveu procurar o dono para entregar tudo. Claro que, naquele momento, confessa, viveu a tentação de agarrar-se àquela quantia que lhe viabilizaria o fim da reforma da casa simples e até o conserto de um carro velhinho, mas de seu agrado. “O que é da pessoa é da pessoa. O que é do outro é do outro. Mesmo que seja um alfinete. Não ia ficar com o que não é meu”, lança o sábio carroceiro. Com a ajuda do pastor João Leite, 40, e com o estímulo da esposa (aquela altura em prantos por temer a origem daquela pequeniníssima “fortuna”), Ednaldo partiu para o posto da Polícia Rodoviária Federal onde entregou a bolsa. Rapidamente o dono foi localizado com a ajuda de um cartão jogado em meio aos pertences.
Na quinta-feira, Ednaldo sorria à toa. Era seu primeiro dia de vida nova. É que em troca da honestidade, recebeu um emprego na firma do dono da mochila, além de R$ 1 mil. Comemorou a boa nova “tomando uma” em um bar e lançando mão de acenos e agradecimentos aos parabéns recorrentes nas ruas. Na firma, os colegas já chamam Ednaldo, entre eles, de Sete Mil. Na frente dele é seu Ednaldo. De primeira, o carroceiro foi indicado para o posto de porteiro. Mas por causa do pouco estudo, não pode assumir a função. Na época de se dedicar aos estudos, ainda criança, trabalhava no roçado.
Terminou contratado como auxiliar de serviços gerais com chances de subir na firma. Pelo cargo, receberá um salário mínimo, além de plano de saúde e carteira assinada. “Na outra firma, ganhava mais, mas o serviço era mais pesado. Quebrava pedra. Também viajava muito. Agora o trabalho fica mais perto de casa”, reflete. Para chegar à empresa, na BR-232, em São Caetano, às sete horas, caminha pouco mais de uma hora. Ednaldo, que não é bobo, já viu vantagem na nova sistemática. “É bom para perder a barriga.”
Para o carroceiro, não cabia outra decisão naquele momento a não ser entregar a bolsa ao dono. Nada, portanto, a se estranhar. “Mas tem muita gente dizendo que sou burro porque não fiquei com o dinheiro”, conta. Na empresa, Ednaldo é um exemplo a ser seguido. Na cidade, ganhou respeito da população. Para a imprensa, esse homem ainda é notícia por conta da atitude inusitada. Por isso, o Diario não economizou na hora de cruzar 150 quilômetros entre o Recife e São Caetano para contar essa história de pertinho. Por mais Ednaldos em nossas vidas.