16.06

Tragédia em boate de Orlando mostra que já podemos estar no pior dos mundos.

Luce Pereira (texto)
Karina Morais (foto)

Não seria má ideia reinventar o mundo, isto porque aquele no qual estamos pisando parece tomado de encantos pela barbárie, que aflora a cada minuto e pelas causas mais banais. Matar tornou-se banal, assim como a falta de reação à impunidade. No que nos transformamos quando apenas nos detemos, num intervalo qualquer da rotina, diante da televisão que mostra cenas do massacre na boate de Orlando (EUA), onde 50 pessoas perderam a vida enquanto se divertiam? Difícil traduzir, porque, em muitos casos, a indiferença não parece uma pobre e simples falha humana, ela sugere que podemos estar nos distanciando enormemente daquilo que nos diferencia dos animais. Não é inteligente esquecer que qualquer pessoa, independentemente de orientação sexual, raça, origem ou credo, tem direito à vida. Na verdade, não é ao menos  compreensível que sejam socialmente julgadas por suas escolhas.
De fato, não soaria como má ideia reinventar o mundo quando notícias assim conseguem apenas suscitar breves comentários à mesa – de casa ou do bar. Teríamos que ir todos para as ruas exigir o fim do ultraconservadorismo, da intolerância e do ódio, pelo simples fato de que tudo isso junto só contribui  para tornar a vida na Terra uma sentença que pagamos coletivamente. Perpétua, se tudo seguir como se só fosse da nossa conta aquilo que não ultrapassasse o nível pessoal. Além de egoísta e mesquinha, esta visão é o passaporte para o pior dos mundos, se é que já não estamos no próprio.
Diante de mais uma tragédia de proporções alarmantes, governos e autoridades teriam que – antes de mais nada, por dever humano – se pronunciar de forma a não deixar dúvidas contra o terror praticado por facções ou pessoas e se juntarem, nas ruas, a todos os indignados com a violência extrema. E elas clamam por mais amor. Registros feitos pela repórter fotográfica do Diario, Karina Morais, mostram uma Nova York abalada pelo que se viu na Flórida, com flores aos montes sendo depositadas nas portas de bares, em homenagem às vítimas,  enquanto outdoors da Times Square pedem, o tempo inteiro, orações por Orlando. Muitos e diferentes lugares do planeta pedem.
Doeu. Ao menos para quem cultiva valores humanos imprescindíveis como solidariedade, os tiros disparados no interior da boate ecoaram como um alerta, um chamamento a que enxerguemos o abismo cavado pelo fanatismo de qualquer natureza. É preciso combatê-lo desde muito cedo. A esperança resiste através de alguns exemplos como o que foi dado pelo príncipe Williams, que se prontificou a ser o primeiro membro da realeza britânica a virar capa de uma revista gay, a Attitude. O duque de Cambridge queria se colocar contra o bullying sofrido por essas pessoas e convidou membros da comunidade LGBT a ir ao palácio de Kensington, sua residência oficial, para juntos discutirem o problema. Disse que “ninguém deve ser maltratado por sua sexualidade ou qualquer outra razão” e afirmou que, nestes casos, não há pior inimigo do que o silêncio. A propósito, o verbo calar pode vir a adquirir status de tiro de misericórdia na humanidade, caso não reflitamos à luz do que diz Jean-Claude Guillebaud no livro A reinvenção do mundo – reinventá-lo “não é somente resistir a barbárie, é redefinir com lealdade o que nos une e para que futuro queremos caminhar”. Por enquanto, estamos todos em perigo.