O título ela conquistou na Colônia Penal Feminina do Recife. Cinco anos depois, conta sua história
Marcionila Teixeira (texto)
Paulo paiva/DP (foto)
Rebecca Rhaysa Santos Guedes, 25 anos, já foi princesa. Sim, puseram uma coroa em sua cabeça. Foi dentro da cadeia, na Colônia Penal Feminina do Recife, no ano de 2011. Tinha 19 anos quando findou eleita a primeira Miss Penitenciária de Pernambuco. Recebeu, por sua beleza, R$ 1 mil, além de uma promessa de um curso profissionalizante. O segundo prêmio, no entanto, nunca chegou, conta Rebecca. E hoje, fora da prisão, aquelas aulas fazem falta. Isso foi há cinco anos, quando tinha dez quilos a menos, mais saúde e esperanças. As fotos e a cobertura da imprensa feitas na época não deixam a jovem mentir. Recebeu a coroa das mãos da então deputada federal Ana Arraes, mãe do ex-governador Eduardo Campos. As matérias também falavam do teor da premiação.
Na tarde em que conversamos, na sua casa, em Boa Viagem, Rebecca falou sobre o desejo por um emprego. Um curso profissionalizante, afirma, custa algo em torno de R$ 300. Também divagou sobre sonhos de adolescente interrompidos. Sobre o peso das escolhas quando se é muito jovem. Se pudesse voltar atrás, faria diferente, garante.
Rebecca foi julgada e absolvida em 2014, quase quatro anos depois de presa. Deixou o ambiente para onde não quer voltar em 21 de março daquele ano, sem dependência de drogas pesadas, calejada pelos horrores vividos atrás das grades e com o título de miss. Chegou a dividir cela com 18 mulheres. Viu rebeliões violentas. Abandono completo de seres humanos.
A jovem hoje vive com ajuda financeira da família e do companheiro. Também vende doces e salgados feitos pela mãe. Um dia, entretanto, Rebecca foi uma adolescente classe média da Zona Sul do Recife. Frequentava boates caras, praias badaladas, escolas particulares e curso de inglês. Aos 16 anos, experimentou as primeiras notas baixas no colégio. Também começou a ganhar intimidade com a bebida alcoólica e a maconha. Pouco a pouco, a avó materna, uma professora aposentada, cansou da situação. Decidiu enviar a neta para morar com a mãe, no interior do estado.
Foi o começo do fim. Nas palavras da própria Rebecca. Em Gravatá, conta ter tido um acesso mais fácil às drogas. Também se apaixonou. Mas perdeu o amor bandido para um assassinato. Afundou ainda mais nos entorpecentes. Perdeu o domínio de si mesma diante dos efeitos do crack. Em seguida veio a prisão.
Rebecca diz saber o peso de suas escolhas. “Já passou o tempo da minha família investir em mim. Escolhi fazer errado. Se pudesse voltar atrás, escutaria minha mãe, estudaria”, reflete. A jovem chegou a sonhar com a formação de bióloga (diz gostar de trabalhar com o meio ambiente), de artista, de modelo fotográfica. Aos 25 anos, diz ser velha demais para investir em uma universidade. “Você me vê jovem assim, mas tô cansada psicologicamente, fisicamente”, diz.
Hoje a miss deseja o cumprimento da promessa feita pela Seres. “Acho que teria muita oportunidade com essa formação”, reflete. Rebbeca diz ser comunicativa. Gostaria de trabalhar com telemarketing, recepção, turismo… Quem sabe nas ocupações que fizeram parte dos sonhos de infância. “Na época do concurso a gente ganhou autoestima. Foi bom”, lembra.
Procurada pelo Diario, a Seres, através da assessoria de imprensa, chegou a questionar se a jovem tinha algum documento para garantir que tem direito ao curso. “Foi tudo de boca. Mas a imprensa cobriu a premiação”, disse a jovem. Rebecca lembra até do nome do agente penitenciário à frente do evento na época. Conta ter ido à Secretaria de Ressocialização (Seres) pelo menos três vezes após a soltura para receber o curso. Voltou de mãos vazias, sem garantia das aulas e do cumprimento da promessa. Em nota enviada por email, a Seres afirmou que “por meio da Gerência de Educação e Qualificação, se coloca à disposição para receber a ex-detenta a fim de verificar a sua situação com relação ao curso”.
Rebecca venceu 11 candidatas das colônias penais femininas do Recife, Buíque e Abreu e Lima. Além da beleza, contaram bom comportamento e testes de conhecimento. A jovem parece ter amadurecido mais rapidamente do que desejava. Viveu intensamente em muito pouco tempo. Agora a Miss Penitenciária parece querer respirar. Sem sobressaltos. Sem tantas emoções. Apenas e simplesmente respirar.