foc2406ok
Decoração e animação da Rua Tupiniquins, em Santo Amaro, é retrato de uma vizinhança amiga

Silvia Bessa (texto)
Rafael Martins (foto)

Chega dá gosto saber que tem gente que mora do outro lado da cidade e, quando o São João se aproxima, reúne os meninos no carro de passeio para mostrar a decoração dos bairros da periferia, onde a tradição é preservada e o colorido das bandeirolas parece mais vívido. Melhor ainda encontrar a união, disposição e alegria dos que se organizam para levantar mastros, pendurar balões, fabricar bonecos e erguer barraquinhas típicas. Para comemorar juntos numa festa com cores, cheiros e gostos regionais, como os vizinhos da Rua Tupiniquins, perto da delegacia no bairro de Santo Amaro. Ela, em definitivo, não é uma rua qualquer e os títulos que ostenta como ganhadora de concursos estilo “Eu amo a minha rua” (seja no período junino ou até no Natal) atestam.

Uma vez a rua ganhou da prefeitura um arraial completo, sete horas de forró pé-de-serra como prêmio pela produção junina misturada com o verde-amarelo da Copa do Mundo. “Aliás, no São João sempre estivemos entre os melhores”, diz Ana Paula Oliveira, dona de casa. Noutra, conquistou um show pirotécnico num réveillon, palco e show com seis horas de música após ser considerada a via mais bonita do Recife. Este ano, garantem os moradores, a maré não está para concursos, mas o clima de empolgação continua o mesmo.

Os bonecos de pano em tamanho real, confeccionados por dona Laura Santos, de 71 anos, e caracterizados de matutos estão lá dando as boas-vindas aos visitantes. Doente, dona Laura tardou a pegar no pesado, usar a agulha, mas conseguiu trocar as roupas de suas criaturas e elas estão lá para quem busca companhia para fotografias originais. “Sempre começamos nossas reuniões com três meses de antecedência. Pesquisamos e somos muito dedicados, nada profissional, mas por conta da crise este ano não deu para ser assim. Nem íamos fazer nada, mas veio um e outro e estamos aqui”, conta Ana Paula Oliveira, que costuma ser referência no quesito mobilização e há mais de 30 anos reside no local.

Modéstia de Ana Paula, toda tarimbada com produções impressionantes, ainda que com ar de caseiras. O capricho que se vê na rua pública e na cuidadosa produção das residências para celebrar os festejos. Nas casas, pedaços de chitas floridas são espalhados sobre as fachadas e cada morador inventa seus modelos de decoração com palhas e plásticos. Sanfoneiro, fogueira de papel. Tudo muito autêntico. Um luxo de simplicidade nordestina que encanta os olhos e aquece o coração num período típico de confraternização para quem mora na região.

E se o dinheiro está curto, improvisa-se. Cada qual coloca sua cadeira na rua, liga seu som e encontra seu par. O importante é não perder o rebolado. Menino, adulto e idoso. Idade não tem certa. Empolgados, os idosos assíduos nas noites de dominó promovidas por dona Vanda fizeram até uma prévia: o forró do dominó. Dançaram muito que ninguém é de ferro. “O melhor é que todo mundo ajuda na produção e se curte”, comemora Ana Paula, em plena sexta-feira final da tarde preocupada em fixar um arco e instalar algumas gambiarras luminosas. “Somos assim o tempo todo. Gostamos de ficar na calçada, conversar e ver as crianças correndo”, relata, ilustrando uma cena incomum nas grandes cidades nos dias atuais.

Cleiton Soares chegava do trabalho como motorista e viu o empenho de Ana Paula. De pronto, se escalou para ajudar na parte elétrica: “A gente brinca juntos, então temos que colaborar”. E aí está, na frase do morador, o que torna essa rua diferente de tantas outras do Recife: o conceito de união. Ninguém quer vivenciar o São João enfurnado numa sala. Prefere uma turma de conhecidos, onde possa se sentir à vontade. Na Rua Tupiniquins, o “rala-bucho” que tomou a noite de ontem foi como numa reunião familiar. E tem nada melhor? Então, aproxime-se, São Pedro.