30.06

Novo relatório do Unicef faz diagnóstico da pobreza infantil e alerta para um futuro evitável.

Silvia Bessa (texto)
Paulo Paiva (foto)

Crianças mais pobres têm quase duas vezes mais probabilidade de morrer antes dos cinco anos que as mais ricas. Se morar em zona rural, os indicadores pioram muito, mais que duplicam. As chances de meninos e meninas sem condições financeiras terem assistência de saúde capaz de atender às necessidade mínimas é de 33%, cerca de um terço, menor. Outras projeções em números absolutos: 69 milhões de crianças poderão morrer antes de completar cinco anos de vida entre 2016 e 2030. Todas por causas evitáveis. Estima-se que 167 milhões de crianças viverão na extrema pobreza; 60 milhões de crianças em idade escolar primária estarão fora da escola. Desde 2011, aliás, a quantidade de crianças que não frequentam um agrupamento escolar vem aumentando e, dos que frequentam, 38% de estudantes primários não aprendem a ler, escrever e fazer contas aritméticas simples.
É apenas parte um cenário preocupante. Baseou-se nas tendências dos últimos 15 anos e está exposto de forma contundente no relatório anual de referência lançado pelo Unicef esta semana. Intitulado “Situação Mundial da Infância 2016: Oportunidades justas para cada criança”, o documento faz uma análise conjuntural, destaca as iniquidades que afetam milhares de crianças e cobra posicionamentos políticos e econômicos para estancar as estatísticas. A urgência de novas posturas se sustenta nas seguintes constatações: nos 41 países mais prósperos, quase 77 milhões de crianças viviam na pobreza monetária no ano de 2014. Isso porque mais de um terço dos países não mensura a pobreza infantil e cerca da metade dos que medem não o fazem frequentemente.
A pesquisa assegura que desvantagens e discriminações contra comunidades e famílias ajudam a determinar se as crianças vivem ou morrem. Se, no futuro, terão chance de estudar e se conseguirão ter uma vida digna mais tarde. “Conflitos, crises e desastres climáticos aprofundam suas privações e diminuem seu potencial”, ressalta o estudo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, instituição respeitada em todo o mundo. “Em sua maioria, as dificuldades em alcançar essas crianças não são técnicas. São uma questão de comprometimento político. São questão de recursos e são uma questão de força de vontade coletiva”, diz trecho do revelador documento.
Por falta da eficácia de programas governamentais e da inclusão social, crianças como as da dona de casa Edleusa Maria da Silva, de 49 anos, sofrem em vida, morrem e perpetuam a pobreza de uma forma ou de outra. Edleusa mora no bairro pobre do Planalto, município de São José do Egito (Sertão de Pernambuco,  271 quilômetros do Recife), que sofre com a escassez de água, com o desabastecimento, saneamento básico limitado, precário serviço de saúde pública. É onde cria seis crianças e adolescentes – com idade dos oito aos 16 anos. “Vivo como Deus quer, mas é tudo muito difícil”, desabafou outro dia, enquanto brigava com vizinhos por um balde de água. Ela ilustra invisivelmente os dados negativos do preciso diagnóstico do Unicef. E, se aqui é grave e merece atenção – motivo de origem e fim deste artigo – é preciso ser justo e dizer que na África do Sul do Saara o quadro tem nível de criticidade duas ou até três vezes mais graves.
A luz no fim do túnel é lançada pelo próprio relatório do Unicef, ao lembrar que existem maneiras efetivas e baratas para alcançar crianças, as famílias e comunidades difíceis de serem atingidas por programas de proteção social. “Novas tecnologias, a revolução digital, maneiras inovadoras de financiar intervenções críticas e movimentos liderados por cidadãos estão ajudando a levar mudanças para os mais desfavorecidos”. Fomentar esses movimentos emergentes – frisa, “vai render benefícios a curto e longo prazos para milhões de crianças e suas sociedades”. Porque, como bem diz as palavras do diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake, “a iniquidade não é inevitável. A desigualdade é uma escola. Promover oportunidades justas para cada criança, para todas, também é escolha”.
Quando a gente teimar em pensar que essa realidade está bem longe de nós, basta dar uma olhada nas entradas das comunidades pobres às voltas dos shoppings metropolitanos do Recife ou adentrar nas zonas rurais do Nordeste. Ou, se preferir, olhar para a imagem do fotógrafo Paulo Paiva, que flagrou a nossa pobreza no município de São José do Egito, aqui em Pernambuco, há apenas seis meses.