Mãe mata duas filhas a tiros e caso reacende debate sobre o porte de armas de fogo nos EUA
Vandeck Santiago (texto)
Alcione Ferreira (foto)
Algumas notícias você nunca esquece. Às vezes não necessariamente pela dimensão política ou econômica que possam ter, mas por nos parecerem próximas, independentemente de onde aconteçam. Dos Estados Unidos chega uma que pode ser incluída neste rol: armada com um revólver calibre 38, uma mãe, Christy Seats, matou suas duas filhas, uma de 17 anos, a outra de 22. Esta chegou a ser perseguida pela mãe, após tentar fugir mesmo estando ferida. “Por favor, não as mate, são nossas filhas”, disse o pai, inutilmente. A polícia chegou; Christy Seats não atendeu à ordem de largar a arma e foi morta também a tiros. Ela convocara uma reunião familiar com o pai das garotas, de quem estava se divorciando. Aconteceu no último dia 24.
Até aí nós temos uma tragédia familiar, incompreensível aos olhos de quem observa o fato de longe, sem conhecer seus pormenores e antecedentes. Mas nesse drama há um componente que nada tem de familiar: o porte de armas. A senhora que matou as filhas era uma entusiasmada defensora desse que nos Estados Unidos é um direito garantido pela Constituição desde 1791. Em uma postagem que hoje soa como uma cruel ironia, mas que foi escrita ano passado, numa rede social, ela afirmou, referindo-se à possibilidade de o direito a portar armas ser revogado: “Seria terrivelmente trágico se fosse tirada de mim a possibilidade de me proteger e de proteger minha família”.
O caso acabou gerando nos EUA mais um debate sobre o controle de armas no país. Instituições que estudam a questão calculam que lá existem hoje cerca de 270 milhões de armas de propriedade de civis – como a população é de 316 milhões de habitantes, dá mais de uma arma para cada pessoa, incluindo crianças. A tragédia da família de Crhsity Seats não é a primeira a gerar debate sobre o tema – recentemente tivemos outro caso de violência, com mais vítimas: a do massacre numa boate em Orlando, que deixou 50 mortos.
Neste primeiro semestre de 2016 ocorreram nos EUA 134 tiroteios em massa, segundo uma Ong que monitora casos de violência com o emprego de armas de foto. Façamos as contas: dá cerca de cinco por semana. A cada caso, o controle de armas é posto em discussão. O presidente Barack Obama é favorável ao controle, mas esta é uma batalha na qual ele nunca conseguiu avançar – não por falta de iniciativa: há anos ele tenta, sem sucesso, aprovar no Congresso restrições à venda de armas. Comentando o episódio de Orlando, Obama afirmou: “Esse massacre lembra como é fácil alguém conseguir uma arma e atirar numa escola, num templo religioso, num cinema ou numa boate. Nós temos de decidir se esse é o tipo de país que queremos ser. Não fazer nada também é uma decisão”. Não é só uma questão congressual: na própria sociedade americana o porte de armas encontra grande apoio.
Esse tipo de debate também interessa ao Brasil. Aqui faz tempo que grupos e lideranças conservadoras se mobilizam para revogar o Estatuto do Desarmamento. No parlamento, o bloco dos que defendem esta tese ganhou até o sugestivo nome de “Bancada da Bala”. Um dos principais argumentos deles é que as restrições do Estatuto para aquisição de armas prejudica as pessoas de bem, que ficariam desprotegidas enquanto os bandidos se fortalecem com armamentos cada vez mais poderosos. Há diversos levantamentos estatísticos mostrando que quanto mais armas de fogo estejam à disposição da população, mais violência acontece (inclusive por acidentes dentro de casa), e não o contrário. Mas este é um debate em que nenhum dos dois lados consegue convencer o outro.
Nós não somos os Estados Unidos, nem nossa situação de violência é idêntica a deles. Mas todas as vezes que falarmos em porte de armas de fogo, convém observar as tragédias que acontecem lá – não só a dos tiroteios em massa, mas também a de conflitos familiares, como o da morte das duas jovens pela própria mãe.