05.07Saiu ontem o balanço das vítimas de queimaduras nos festejos juninos. Crianças são maioria.

Vandeck Santiago (texto)
Juliana Leitao (foto)

Não quero parecer trágico, como aquelas pessoas que só veem os festejos sob a ótica do drama, mas saiu ontem um balanço das festas juninas que merece nossa atenção: a do número de queimados. Sou particularmente tocado por este assunto, porque quando criança fiz parte de um desses balanços. Tinha entre 10 e 11 anos quando vi uma fogueira quase toda já transformada em cinzas e tive a infeliz ideia de segurar aqueles tocos que ficam de lado da lenha. Até hoje todos os meus dedos têm uma protuberância que parecem resquícios das bolhas que ficaram da queimadura. Cerca de 40 anos depois a cena ainda está na minha memória, como algo recente.
Mas falava eu do balanço divulgado ontem, alusivo ao período que vai da véspera de Santo Antônio (11) até o dia seguinte ao São Pedro (30). O médico Marcos Barreto, chefe do setor de Queimados, do Hospital da Restauração (HR), informou que 56 pessoas foram atendidas, sendo que 36 delas eram crianças. Em 2015 foram 21 crianças. Aumento de 71%.
O número pode parecer pequeno neste mundo em que uma ordem de grandeza para chamar atenção tem de passar da centena. Mas não é não. Vejamos: primeiro, isso acontece todos os anos, apesar de alertas e reportagens insistentemente veiculadas neste período. Segundo, os casos dizem respeito apenas aos que procuram o HR; há outros acidentes que, por menor gravidade ou pelo fato de as pessoas morarem longe, não chegam lá. Terceiro, projetados os números para o Nordeste, considerando que esta é a região onde são intensos os festejos juninos, podemos ter aí cerca de 300 crianças atingidas nos nove estados (e uns 200 adultos). Quarto, se a gente for ver cada caso, verá o drama que há por trás deles, alguns perdurando pela vida inteira.
Em Pernambuco, por exemplo, aconteceram casos como este, descrito pelo dr. Marcos Barreto: “Uma criança de cinco anos caiu em uma fogueira e ficou ‘assando’. Corre risco de morte altíssimo”. Houve outro em que um menino perdeu o antebraço, o punho e uma mão. Tem 12 anos – aliás, completados na cama do hospital. Uma bomba junina estourou em sua mão. Sua vida evidentemente nunca mais será a mesma. Nem a da sua família. Em outro acidente, um garoto entrou com bicicleta e tudo dentro de uma fogueira em chamas. Continua internado. E, em mais um acidente, um pai segurou uma bomba para o filho acender e viu o artefato explodir na própria mão – a vítima aí foi o adulto: deve perder a ponta de alguns dedos. Entre os queimados há pacientes que demorarão meses e até anos sob tratamento. Uma tendência que já apontara no ano passado, tornou a aparecer agora em 2016: a de fogos de baixa qualidade, vendidos a preços baixos, com diversas falhas, inclusive nos pavios. Os fogos de artifício têm uma característica que aumenta sua capacidade de causar danos: ficam muito próximos de quem os acende, podendo atingir diretamente mãos, olhos e rosto.
A tendência comum nos acidentes é culpabilizar os pais – como não prestaram atenção no filho ou filha e os deixaram correr o risco de algo tão grave? Quem é pai sabe que não é tão simples: bastam alguns segundos para que aconteça uma tragédia. Presta-se atenção no filho a noite inteira e aí, por alguns segundos, você olha para o outro lado – e nesse instante exato acontece a infelicidade. Uma das lembranças mais fortes da minha infância era a de festejar o São João com o meu pai e a minha mãe – a trilogia da felicidade: as comidas feitas durante o dia, a fogueira  acesa à noite e a expectativa sobre quais fogos (sempre de baixa potência) meu pai comprara. Lembro da atenção deles com todos nós, para evitar acidentes. O que não impediu que, com alguns  passos, eu chegasse à fogueira e me agarrasse com a madeira em brasas.
O que fazer? As respostas óbvias que surgem são: fiscalizar a qualidade dos fogos e intensificar as campanhas de prevenção. Creio que de alguma forma isso já é feito. Mas o que temos visto, ano após ano, é que parece não ser suficiente. Com festas tão representativas de nossa cultura, que atraem tantas pessoas e fazem a alegria de tantas crianças, talvez devêssemos procurar uma nova forma de evitar que tão grande número de tragédias continue acontecendo. Já vimos que não basta dizer “tenham cuidado!”.