06.07

Referendo aprova saída do Reino Unido da UE e estrangeiros temem por seu futuro no país.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Mundo afora, começa-se a sentir saudade do tempo em que acordar não trazia junto a pergunta “o que vai acontecer hoje?”. Desde o começo da crise da imigração, na Europa, diariamente fatos que balançam os quatro cantos do planeta ganham o noticiário e robustecem a certeza de que nunca mais será seguro estar fora de casa, porque a tese do nacionalismo, em nível global, cresce junto com movimentos xenofóbicos. O recado parece óbvio: daqui por diante, a tendência será cada país se fechar na própria realidade, construindo-a segundo seus próprios interesses e longe da ideia de que, como cosmopolitas, devem continuar de portas abertas para estrangeiros, mesmo sabendo da contribuição de muitos deles ao estágio de progresso alcançado.
A última destas lições de distanciamento do projeto europeu, que remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, foi dada pelo Reino Unido, quando decidiu, via referendo, no último dia 23, optar por sair da União Europeia, uma parceria que não apresentava rachaduras desde 1975, quando os habitantes votaram pela adesão ao bloco, através do qual o continente se transformaria numa espécie de eldorado, com a economia sempre florescente e refletindo na qualidade de vida da população.No entanto, bastou só a guerra e o terror determinar a fuga em massa de milhões em direção à Europa para a velha tese da solidariedade ceder ao espanto e ao medo, abrindo espaço a uma nova e dura perspectiva de futuro para quem está longe de casa.
No último sábado, os londrinos reagiram com protestos expressivos à saída do Reino Unido da UE, mostrando que ali a ideia de uma Londres cosmopolita, vitrine da parte mais invejável da Europa, deve permanecer. Nada menos do que 60% da população da capital disseram não ao Brexit (expressão para designar a saída), com destaque para a grande participação de estrangeiros residentes, todos interpretando o resultado da consulta como um aviso de que as coisas para eles podem piorar enormemente, num futuro muito próximo. Se predomina a falta de respostas claras sobre se a medida fará bem à saúde financeira do Reino Unido (o Tesouro britânico acredita que os prejuízos seriam “permanentes” e redundariam em queda de 6% do PIB até 2030), mais ainda quanto ao que espera todos aqueles com raízes há muito fincadas por lá.
Medo justificado, ao menos por dois aspectos que levaram ao resultado do referendo: necessidade de reforçar a soberania nacional e o orgulho da identidade britânica. Num plano mais abrangente, o controle de fronteiras, a segurança interna e a defesa do território em si, além, é claro, das “barbas de molho” com a burocracia de Bruxelas (Bélgica). A propósito, separatistas mais exaltados procuram dar musculatura a argumentos que apontam para um Reino Unido, hoje, com economia muito mais ousada, criativa e dinâmica em relação àquela da década de 1970, quando passou a integrar o bloco, características que estariam sendo tolhidas pela tal burocracia imputada ao local onde pulsa o coração da UE.
Enquanto uma bola de cristal seria mais do que bem-vinda para dar pistas aos segmentos financeiro e político sobre o futuro da economia britânica, os estrangeiros residentes, que assistem à onda de imigração varrer a Europa, também não fecham os olhos ao crescimento da xenofobia no continente. Eles sabem que o conservadorismo anda a passos largos e que isto significa a substituição de um olhar destinado a ver o mundo por um olhar em relação ao próprio umbigo. As desconfianças neste sentido cresceram ainda mais quando o republicano Donald Trump – que quer ser a pedra no caminho de Hillary Clinton à Casa Branca – fez coro ao maior desejo do partido nacionalista Ukip e, depois de  lamentar os efeitos da imigração no continente europeu, opinou favoravelmente à saída do Reino Unido da UE – contrariando, é claro, posição do presidente Barack Obama. Com a extrema-direita em alta, eles não têm ilusões: o caminho de volta para casa nunca pareceu tão perto – e tão indesejado.