07.07

Delatores são criminosos confessos, não arrependidos. Mas, sem eles, até onde chegariam as investigações?

Vandeck Santiago (texto)
Samuca (arte)

Sabemos todos que sem a figura do delator as investigações da Lava-Jato não teriam chegado aonde chegaram, mas o sino da indignação soa todas as vezes que a gente vê as condições em que muitos deles cumprirão suas penas – e o tamanho das penas. Imaginem o camarada que movimentou R$ 100 milhões em dinheiro ilícito e que poderia ser condenado a até 20 anos de prisão. Ao fim do caso, porém, ele vai cumprir pena de três (3) anos em casa, dos quais nove meses em regime semiaberto. E não é de uma casa qualquer que estamos falando: trata-se de uma mansão com piscina e quadra poliesportiva, construída numa área de três mil metros quadrados. Este é o destino previsto, por exemplo, do Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, que ‘entregou’ mais de 20 políticos em sua delação.
Machado ficará em Fortaleza. No estado do Rio, em situação parecida, encontram-se outros, como o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da Lava-Jato, em 2014; o Nestor Cerveró, também ex-diretor da Petrobras; e Fernando Baiano, ex-parceiro de Cerveró, que foi acusado de ser o operador do PMDB na estatal. Até agora, 56 empresários, políticos, operadores e executivos já conseguiram acordos de delação premiada na Lava-Jato.
O delator é um criminoso confesso, não um criminoso arrependido. Ele delata não por repentina conversão à ética, e sim de olho nos benefícios a serem fruídos. Aí passa uma curta temporada na cadeia, devolve parte do que desviou, recebe pena reduzida (em relação à prevista nos seus crimes), vai cumprir prisão domiciliar (com o ‘incômodo’ da tornozeleira eletrônica) e c’est fini. Sabe lá Deus quantos milhões ainda terá para curtir a vida daí por diante.
Em artigo sobre o tema, publicado no Estado de S. Paulo em 31 de maio passado, o juiz federal Sérgio Moro citou três exemplos bem-sucedidos das delações: os de Tommaso Busceta (Itália) e Sammy Gravano (EUA), que permitiram atingir o coração da máfia, naqueles paises, e a de Mário Chiesa, em 1992, um político italiano, que ao decidir colaborar com a justiça italiana viabilizou a famosa Operação Mãos Limpas, que é a inspiração de Moro para a Lava-Jato.
Diz Sérgio Moro, em seu artigo: “(…) os três criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração era o melhor meio de defesa e que só por ela lograriam obter da Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão”. Explica que a colaboração deles deve ser vista por estas duas perspectivas: “De um lado, é um importante meio de investigação. Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu provas categóricas”.
Defendendo a delação premiada, afirma o juiz: “Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar seus crimes e colaborar com a Justiça”. O seu artigo é uma reação a projetos de lei no Congresso que, segundo ele, “buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça”.
Tramitam hoje no Congresso oito projetos que visam alterar o uso da delação premiada. O de maior repercussão é do ex-presidente da OAB/RJ e hoje deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). Prevê que apenas quem esteja em liberdade tenha o direito à delação, considerando que a prisão acaba sendo um ‘instrumento de pressão’ sob o acusado/indiciado. Determina ainda que menções feitas a pessoas que não são alvos da investigação sejam mantidas em sigilo.
Mas não é uma discussão jurídica que nos move neste artigo, mesmo considerando que ela interessa a toda a sociedade. O que externamos aqui é a indignação diante de um fato concreto, independentemente de o considerarmos ou não um “mal necessário”. Trata-se do fato de alguém desviar recursos, locupletar-se deles, ter como parceiros pessoas que também participaram do desvio – e ao final de tudo voltar para sua casa de luxo mantendo a conta bancária recheada e condenado a uma pena em diminutivo.