08.07

Pintora mexicana, que faria 109 anos, segue exercendo influência que se estende à moda e à música.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Uma pessoa a quem conheci não faz muito, resumiu assim a paixão pela obra e exemplo de coragem da pintora Frida Khalo, que nesta última quarta-feira faria 109 anos: “Torço sempre pela seleção (de futebol) do México, quando lembro que aquele é o país dela”. Evidências não faltam de que mesmo entre os brasileiros, é grande o número de fãs ardorosos da artista, considerada um ícone global não apenas pelo que pintou, mas, também, pelo que transgrediu desde a mais tenra idade, sacudindo os pilares da moral vigente na época de juventude, iniciada lá pelo ano de 1925. Dona de personalidade forte como muitas das mulheres de sua geração decididas a destruir estereótipos e preconceitos através da arte, Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón foi do céu – com sua pintura – ao inferno, enfrentando problemas de saúde severos e traições não menos, praticadas pelo marido, o grande muralista mexicano Diego Riveras, a quem, contudo, atribuía a própria razão de existir: “Diego está na minha urina, na minha boca, no meu coração, na minha loucura, no meu sono, nas paisagens, na comida, no metal, na doença, na imaginação”, disse, sem a menor preocupação com qualquer julgamento.
Aliás, se existia algo com que a artista não perdia tempo era em dar ouvidos à opinião dos outros, ao menos no plano pessoal. Tinha sede de viver e o desejava de forma tão intensa que não via sentido em desperdiçar horas com julgamentos e ideias incapazes de tirá-la um milímetro da decisão de ser Frida – por isso, entenda-se uma pessoa nada disposta a sacrificar a própria felicidade em nome daquilo no qual não acredita ou respeita. Muito à frente do seu tempo, entendeu, através dos sinais dados pelo destino, que não seria fácil exercer sua natureza livre, mas, ao mesmo tempo que os obstáculos a desafiavam, permitia-se acreditar mais e mais em sua força criadora, para a qual não enxergava limites. O pacto com o compromisso de voar nascera daí.
Se pudesse ver o futuro através de uma bola de cristal ou das cartas do Tarô, talvez Frida tivesse sido imobilizada pelo medo de se perder das cores e figuras com as quais esperava traduzir sua realidade, até o último minuto. A arte, afinal, era a janela pela qual se enxergava sem amarras, o maior trunfo de sobrevivência. A soma dos males físicos enfrentados logo cedo parecia exceder a capacidade humana de suportar, mas nada nela era previsível e, ao mesmo tempo, tudo nela refletia uma força selvagem, levando a crer que só capitularia diante da morte. Assim foi.
Conheceu a dor desde criança quando, aos 6 anos, vitimada pela poliomielite, ficou com defeito em uma das pernas, o que a obrigou a usar, por toda vida, um sapato mais alto do que outro (daí a opção pelas saias longas). Mas foi o acidente sofrido em 1925, quando o ônibus em que viajava chocou-se contra um bonde, a grande pedra do rosário de sofrimentos físicos. Fraturou muitos ossos, passou por 35 cirurgias e viu destruídos os dois maiores sonhos – o de se tornar médica e mãe. Este último profundamente lamentado, depois de dois abortos. Presa ao leito e a aparelhos que também buscavam diminuir as dores na coluna, começou a pintar – e se encontrou com sua essência.
Bissexual, comunista (é famoso o caso que manteve com Leon Trotsky, um dos grandes nomes da revolução russa, a quem o casal hospedou na Casa Azul) e cheia de atitude, Frida passou a pintar as próprias desventuras e fantasmas – sobretudo o da morte, que começou a espreitá-la, de fato, a partir de 1953, quando teve que amputar a perna esquerda, reflexo da poliomielite adquirida na infância. Entrou em depressão e novamente foi sustentada pela arte. Mas os coloridos e alegres elementos presentes nos anos áureos de sua pintura foram dando lugar a figuras que refletiam a preparação para a despedida, que, enfim, aconteceria no dia 13 de julho de 1954, aos 47 anos. Ela já estava farta de sofrer.
Enquanto o mundo tomava conhecimento da luta desesperada para continuar pintando, os quadros, as declarações e atitudes iam transformando-a em um símbolo de resistência, quase linguagem. Passou a ser imitada no jeito de vestir e de se comportar, virou uma forte influência cultural a ponto de, em tempos recentes, seu estilo ter inspirado os desenhos de gigantes do mundo das passarelas como Givenchy e Valentino, além do trabalho de bandas como Coldplay e Red Hot Chilli Peppers. “Obrigado, Frida”, terminam assim homenagens em vídeo feitas por ocasião da passagem do aniversário dela. E nós assinamos embaixo, porque, carentes de exemplos de coragem/garra e ansiosos por enxergar a vida com as cores que ela via, nos pegamos reconhecendo que somos todos Frida.