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Estudante do Conservatório Pernambucano de Música precisa de um instrumento próprio.

Marcionila Teixeira (texto)
Paulo Paiva (foto)

Valdilene Nunes de Souza, 44 anos, ouviu o pedido do filho caçula com certo pesar. Há quase cinco anos ela teve câncer de mama e precisou deixar o trabalho como empregada doméstica. Desde então, passou a sobreviver com um salário mínimo incerto, oriundo do auxílio-doença. Sem receber o benefício nos últimos dois meses, Valdilene não via saída para concretizar o desejo do filho. Decidiu, então, postar uma mensagem na página do Facebook da Polícia Civil de Pernambuco. Quem sabe ali não encontraria uma ajuda, uma luz.
Valdilene mora com o filho João Emanuel Nunes de Souza Silva, 17, na Comunidade Chico Mendes, em Areias. Em fevereiro deste ano, João começou a ter aulas de trombone tenor no Conservatório Pernambucano de Música. As notas e os instrumentos musicais são sua paixão há cinco anos, desde quando começou a participar da fanfarra da Escola Heróis da Restauração. No primeiro bimestre, o jovem dedicou-se à teoria e, há um mês, começou a ingressar nas aulas práticas de trombone. No percurso entre o teórico e o prático, começaram os dilemas.
João, assim como qualquer estudante de música, precisa de instrumento próprio para praticar em casa também. Do contrário, o aprendizado da música fica comprometido. “O professor falou que eu tinha talento. Quando escutei isso, fiquei feliz e com mais vontade de aprender. Para mim, música não é só a letra. O que faz a música ser bonita é a forma de compor, a sua organização”, reflete. O mesmo professor avisou, no entanto, da necessidade de João ter o próprio instrumento musical. “Pesquisei o preço. Um novo está em torno de R$ 1.200 e R$ 1.500. Um usado chega a R$ 1 mil”, diz. O estudante tem aula de trombone com outros dois jovens. Ambos possuem o instrumento. João está em desvantagem.
Ex-diretora de uma creche municipal de Jardim Uchôa, que também atendia moradores da Chico Mendes, a professora Maria da Conceição Cavalcanti, 53, viu muitas pessoas contemporâneas a João serem presas, assassinadas ou se envolverem com drogas. Amiga da família, ela torce pelo estudante de música. Não apenas ela. A avó materna, Maria Helena dos Santos Souza, 74, aumenta a torcida e ressalta. “A gente não quer dinheiro. Quer o instrumento. E ele pode ser usado. Não tem problema”, avisa.
As contas da casa só fecham com a ajuda da avó de João, que também recebe um salário mínimo de aposentadoria. Antes da chikungunya, ela engrossava a renda mensal com faxinas e como representante de uma marca de cosméticos. Agora não consegue mais trabalhar como antes. “Somente de remédio para Valdilene pago R$ 250 por mês. Se o instrumento fosse mais barato dava para dividir no cartão, mas meu limite é baixinho”, lamenta.
A postagem na página virtual da Polícia Civil chamou a atenção da delegada Verônica Azevedo. Comovida com a história de João e da família, ela me procurou para publicar uma matéria na tentativa de conseguir de forma mais rápida o instrumento. As aulas de música no conservatório estão suspensas em virtude das férias de julho. Somente devem recomeçar em 2 de agosto. Até lá, João vai precisar do trombone. “Publiquei o pedido porque ele é um menino bom, não dá dor de cabeça, é estudioso. Acho que ele merece”, elogia a mãe.
O CPM tem dois mil estudantes matriculados. O acesso se dá por meio de sorteio (dos 7 aos 14 anos) ou por seleção (acima dos 14 anos). Segundo a direção do conservatório, grande parte dos instrumentos musicais usados nas salas pertence aos próprios estudantes, mas a instituição não exige que os alunos levem seus instrumentos para as aulas. Há também horários especiais para os estudantes usarem os instrumentos do conservatório e possibilidades excepcionais de empréstimo, via termo de responsabilidade.
João, no entanto, não tem muito tempo disponível para permanecer no conservatório em horários especiais. Tem aula em horário integral em dois dias da semana na Escola Mariano Teixeira. Além disso, está inscrito em um curso de gestão de negócios em uma ONG. O instrumento seria utilizado à noite, em casa, e nos finais de semana. João está confiante em uma ajuda voluntária. Se assim for, a Comunidade Chico Mendes vai ganhar um incrível som de trombone saindo da janela do imóvel de número 35 da Primeira Travessa da Fase.