14.07

Como os executivos de grandes empresas de tecnologia escolhem onde matricular seus filhos.

Vandeck Santiago (texto)
Fábio Cortez (foto)

Se você tivesse que matricular seu filho escolheria uma escola onde ainda se usa lápis, caneta e papel, ou uma em que as crianças só usam computadores e tablets em sala de aula? Você, eu não sei; mas no Vale do Silício, a meca tecnológica dos EUA, executivos de grupos de ponta (Google, Apple, Yahoo!, Hewllett-Packard, eBay…) têm preferido colocar seus filhos em escolas que sequer têm wi-fi, e que ainda usam lápis-caneta-papel. Não é a tecnologia empregada em sala de aula que eles julgam importante para o aprendizado dos seus filhos, e sim a filosofia de aprendizagem.
“Habilidades como tomar decisões, criatividade e concentração são muito mais importantes do que saber manipular um iPad ou preencher uma planilha do Excel”, diz matéria do jornal espanhol El País sobre a preferência dos ‘gurus da tecnologia’ em relação à educação dos seus filhos. “Os empresários do Vale do Silício sabem, afinal, que a tecnologia que utilizamos hoje se tornará obsoleta no mundo de amanhã. Priorizar metodologias inovadoras, e não somente infraestrutura tecnológica de ponta, portanto, é mais estratégico em sala de aula”.
A matéria do El País é de ontem; podemos pensar que se trata de algo circunstancial, e não de uma tendência. Mas uma reportagem de cinco anos atrás, igualmente publicada em um jornal que é referência mundial em jornalismo, já tratava do mesmo assunto. Saiu no New York Times, em 29 de outubro de 2011. Foi reproduzida pela Folha de S. Paulo, com o título “No Vale do Silício, uma escola sem tecnologia, com agulha de tricô”.
Refere-se à Waldorf School of the Peninsula, a mais preferida pelos executivos do Vale do Silício. É uma rede existente nos EUA; sua filosofia de ensino prioriza o aprendizado por meio de “tarefas práticas e criativas” e valoriza atividades físicas. A matéria do NYT começa assim:
“O vice-presidente de tecnologia do eBay matriculou seus filhos em uma pequena escola de Los Altos. O mesmo fizeram funcionários de gigantes do Vale do Silício como Google, Apple, Yahoo! e Hewlett-Packard.
Mas as principais ferramentas de ensino da escola nada têm de tecnológico: caneta e papel, agulhas de tricô e, ocasionalmente, argila. Nenhum computador à vista. Nenhuma tela.”
Parágrafos depois transcreve opinião de um executivo do Google:
“Rejeito frontalmente o conceito de que é preciso assistência tecnológica para ensinar no primeiro grau”, disse Alan Eagle, 50, cujos filhos estudam no primeiro grau Waldorf. “A ideia de que um aplicativo no iPad seja capaz de ensinar meus filhos a ler ou fazer contas é ridícula.” Eagle formou-se em ciência da computação pelo Dartmouth College e trabalha no departamento de comunicação executiva do Google, onde escreveu palestras para o presidente do conselho do grupo, Eric Schmidt. Ele usa um celular inteligente e um iPad. Mas sua filha, que começa a quinta série, “não sabe como usar o Google”, e seu filho começa a aprender.”
Separadas por cinco anos, as reportagens do El País e do New York Times tratam do mesmo tema, com idêntica abordagem. Não desprezam a tecnologia nem renegam os seus avanços. Mas o fato que relatam pontua pelo menos dois pontos que costumam não receber ênfase nos debates sobre a vida na Era Digital: primeiro, que a tecnologia tem hora e lugar (a frase é boa, mas não é minha; é do executivo do Google citado linhas atrás, Alan Eagle); segundo, que computador não é solução para todos os males. “A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugere num relatório global que os sistemas educacionais que investiram muito em computadores registraram pouca melhora em seus resultados de leitura, matemática e ciências no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA)”, diz o texto do El País. “Por conta disso, os melhores sistemas educacionais foram muito precavidos na hora de usar a tecnologia nas salas de aula.”
Não se trata de resistir ao futuro; trata-se de adaptar-se a ele de forma crítica, e não como um zumbi.