Em Foco 29.07 detalhe 1

Armadilhas contra consumidor se escondem em sites que anunciam bens caros a preço de banana.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

O provérbio português garante: “Quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Infelizmente, nem tanto. Em época de hiperconectividade, com o telefone e a internet criando exércitos de dependentes ao redor do mundo, não falta quem não se atire em busca de “negócios da China” (literalmente) e acabe seduzido por ofertas de bens valiosos a preço de banana. Porém, a ingenuidade, a imprudência e o desejo de levar vantagem somam-se para criar o perfil perfeito da vítima espreitada por criminosos que, travestidos de vendedores, encondem-se em sites muito apreciados, sobretudo por pessoas de menor poder aquisitivo, sem restrições de consumo – ou seja, indiferentes ao fato de o produto ser novo ou não. Interessa que seja barato.
Mas surpreende que, diante da considerável quantidade de notícias dando conta da atuação de quadrilhas especializadas em golpes dessa natureza, ainda seja tão grande o número de vítimas delas. Para ilustrar a crônica de crimes destas modalidades, a polícia acaba de desbaratar um grupo do qual fazia parte o casal Douglas Henrique Lira de Oliveira, 36 anos, e Aureste Maria de Oliveira, 39, que atuava entre os bairros do Ibura e Prazeres (Jaboatão), oferecendo motos pelo popular OLX. O veículo não existia e o suposto comprador acabava ficando sem nada quando ia realizar o pagamento e apanhar o produto anunciado – sofria um assalto. Como sempre acontece, são as denúncias que abalam a tese de que o crime compensa. Neste caso, a pessoa viu um novo anúncio no site com as mesmas características do qual fora vítima e procurou a polícia, que armou o flagrante. Depois de apanhar os R$ 9 mil, o casal ainda tomou o telefone do “cliente”, mas os policiais apareceram na hora. Também foram identificados o mentor e outros dois integrantes do grupo, que já respondem a cinco inquéritos.
Golpes semelhantes se multiplicam pelo país. Ontem fez exatamente um ano que dez pessoas (oito da mesma família) foram presas em cidades de Pernambuco e da Bahia depois de ganhar mais de R$ 1 milhão de vítimas que caíram no conto do carro barato oferecido em sites de classificados. A diferença é que os estelionatários usavam a logomarca de empresas do ramo, para passar credibilidade às potenciais vítimas, tendo o cuidado de divulgar outro telefone. Encantados com o preço baixo, os candidatos concordavam em antecipar uma parte do pagamento, mas nunca chegavam a ver nenhum sinal do veículo. De acordo com a polícia, chegou a haver depósitos antecipados no valor de R$ 100 mil.
Mesmo pessoas de çomunicação não estão livres de se transformar em vítimas das quadrilhas, como foi o caso de Raul Gil. Em meados de maio, a polícia de São Paulo colocou as mãos em um grupo que, através de venda consignada, iludia interessados em vender carros de luxo. O apresentador entregou sua Masserati e recebeu um cheque de R$ 150 mil – só que sem fundos. A operação resultou em dez presos, sendo cinco da mesma família e um deles respondendo a mais de 70 processos, inclusive por falsificação de dinheiro.
Uma certa lógica leva a supor que ao menos o golpe do sequestro anunciado por telefone – onde presidiários pedindo resgate garantem estar de posse de um parente próximo de quem recebeu a ligação – já deveria ter dado sinais de cansaço, pelo tempo que existe. Mas, não: segue criando uma legião de extorquidos e, em muitos casos, deixando traumas profundos em pessoas idosas, geralmente as maiores vítimas. Quadro nada animador: além da certeza de que empresas de vendas virtuais – exceto se forem obrigadas por lei – continuarão sem exigir garantias dos “anunciantes” sobre a veracidade do que vendem, parece existir, por parte dos criminosos, convicção ferrenha na impunidade e nos poucos recursos disponíveis para uma ação mais efetiva das polícias. Considere-se prova de descrença na falta do rigor necessário, o fato de que, na maioria dos casos, os integrantes das quadrilhas são reincidentes, muitos deles verdadeiros colecionadores de dívidas com a Justiça. Assim, a regra número um de sobrevivência continua sendo: desconfie sempre.