31.07

Requalificação do Alto do Moura mostra que quando o poder público quer, a qualidade de vida é outra.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (ilustração)

De um modo geral, o olhar das pessoas para lugares que estão próximos se mostra pouco ou nada generoso e esta quase indiferença acaba impedindo a maioria de ver e aproveitar mudanças que podem fazer diferença na qualidade de vida. Já em relação ao poder público, a compreensão de que melhorando os espaços coletivos melhora-se, também, a autoestima dos moradores, significa sinal evidente de sintonia com eles. Mas, diante de carências históricas deixadas em banho-maria, onde encontrar, num raio de 150 quilômetros da capital, em qualquer direção, lugares que atendam àquela receita milagrosa de turismo cultural e gastronômico a preço que compense sair do Recife, em um fim de semana? Eu me fazia esta pergunta quando acabei indo parar no Alto do Moura (Caruaru), que não visitava há anos.
Para começo de conversa, não me aventuraria a pensar nesta volta durante o período junino, quando a cidade começa a falar muitos sotaques e as ruas se transformam em desafio de sobrevivência, com turistas se multiplicando como se toque de sanfona tivesse poder de canto de sereia. Caruaru, em tempo de São João, não é para amadores. Além do mais, diante do razoável número de visitantes do eixo Sul-Sudeste, que não pode ver barro transformado pelas mãos milagrosas de escultores populares – logo cai sobre as peças como moscas sobre o churrasco de bode que fumega em tudo quanto é boteco do Alto do Moura -, há o risco de a “degustação” cultural ser prejudicada pela pressa em escapar do burburinho. E seria um pecado não apreciar com calma, olhando minuciosamente cada uma que interesse. As que trazem as marcas dos mestres (Vitalino, Galdino …) e dos seus descendentes produzem um encanto natural, por conta da qualidade e da grande divulgação, claro, mas, com paciência, se descobrem outras tantas cheias de graça e a preços mais acessíveis.
Então, como eu ia dizendo, eis que acabo de pisar no território dos artesãos mais famosos de Caruaru. É bom quando a gente chega com a velha impressão de abandono e encontra um lugar requalificado, limpo, onde a alegria decorre de substancial acréscimo na autoestima. Quem atesta é uma das mulheres mais conhecidas do Alto, dona Terezinha. Meu interesse em uma peça transformou-se no mote para a conversa ganhar fôlego: “Isso aqui ficou uma beleza, a gente (os comerciantes) não poderia estar mais feliz, porque era um desejo antigo. Então o cliente também se sente valorizado e dá até a impressão que o nosso produto tem mais força do que tinha antes”.
Estacionamento amplo, sinalização adequada e nenhum “flanelinha” (ao menos fora do período junino), o que ajuda a manter o bom humor. Comida para paladares nordestinos e o som de uma bandinha de forró animando os clientes do bar/restaurante Lengo-Tengo anima, também, quem passeia pela rua tranquila (com pavimento novinho), de olho nas vitrines coloridas e nas grandes peças que marcam a entrada ou o interior das lojas: tem bode “urinando” cachaça, namoradeiras, Lampião e Gonzagão, mas é bom ler os avisos: “fazer foto, R$ 1,00”. Lições aprendidas com o capitalismo, porque não deve existir lugar no mundo que consiga se esconder dele.
Diante de uma arte honesta, feita e comercializada em um lugar (agora) com boa infraestrutura, impossível não refletir sobre o imenso potencial de Pernambuco para pegar turistas pelos olhos, pela barriga, pela simpatia e pela história. Isso se na maioria dos municípios o poder público não cuidasse mais dos próprios interesses do que das necessidades da população. Coisas de uma política que ainda não respira os ares do século 21. Então, melhor esquecer (ao menos ali) e terminar o dia visitando o restaurante Diamante da Serra, que fica a poucos quilômetros, passando pela Vila do Murici. Lá do alto, a vista é lindíssima. Não há quem não diga que o passeio valeu a pena.