02.08

 

Médico que zombou de paciente vai à casa dele pedir perdão: “Errei, me arrependi”.

Vandeck Santiago (texto)
Matheus Cabral/ Globo (foto)

Errar e pedir desculpas pode ser um gesto de extrema grandeza. Já errar e não desculpar-se pode ser exatamente o contrário. Tivemos neste final de semana duas oportunidades exemplares de ver uma coisa e outra.
No domingo, durante protesto contra a presidente afastada Dilma Rousseff em Curitiba (PR), a atriz Letícia Sabatella foi cercada por manifestantes e xingada por ser, na visão dos seus xingadores, defensora de Dilma. Um deles, cuja identidade foi revelada após o vídeo com a agressão circular pelas redes sociais, chama a atriz repetidamente de “p…”. Ele é empresário no Paraná. Outra manifestante dirige-se à atriz chamando-a de “sem-vergonha”. A identidade desta também foi revelada; é psicóloga. Evito dar o nome deles por julgar que não merecem estar em um artigo cujo objetivo é defender o respeito às pessoas. Se algum de vocês estiver interessado, os nomes estão disponíveis em toda a internet.
Este foi o primeiro caso. O segundo foi com aquele médico que zombou de um paciente que ao ser atendido falou que tinha “peleumonia” e que precisava de um “raôxis”, lembram da história? Assim que o paciente saiu, o médico colocou post numa rede social, escrevendo num papel de receituário as duas pronúncias, ironizando a forma de falar dele. O médico chama-se Guilherme Capel Pasqua, e é de Serra Negra (SP).
Por que neste caso estamos dando o nome dele? Guilherme foi demitido do hospital onde trabalhava, por causa do episódio. Mas não é por isso que o estamos identificando – é por causa do que ele fez neste fim de semana. O médico foi à casa do paciente, o mecânico José Mauro de Oliveira Lima, de 42 anos, pedir desculpas pessoalmente. Em seguida postou o pedido de desculpas na mesma rede social em que fizeram a zombaria. “Eu errei, me arrependi e me sinto mal com isso”, escreveu ele. “Este pedido de desculpas vai a todos os brasileiros que se ofenderam com a brincadeira da ‘peleumonia’. O sr. José Mauro hoje tornou-se meu amigo”.
A repercussão negativa do gesto anterior certamente influenciou o médico, mas ele demonstrou sensibilidade na forma como tratou o caso. Poderia ter feito um pedido protocolar de perdão e seguir em frente. Em vez disso, foi encontrar o homem de quem zombara. Depois, estendeu as desculpas para “todos os brasileiros”.
Além disso, convém ouvir a opinião do paciente.“Eu o desculpei, pois é uma pessoa boa que teve um momento errado. Ele é muito jovem e vai aprender com o tempo, não vou guardar mágoa disso”, afirmou o mecânico José Mauro de Oliveira Lima. “Ele atende muito bem, minha esposa acha que é um bom médico. Espero que volte a trabalhar no hospital”. Segundo José Mauro, o médico prometeu cuidar dele até que se recupere da pneumonia.
Daqui de longe vi muita sabedoria nas palavras do mecânico – uma pessoas que, diga-se de passagem, estudou apenas até o segundo ano do Ensino Fundamental. Todos nós estamos sujeitos a uma frase infeliz – que se pague o preço devido por ela, se for o caso. Mas, quando não faz parte da prática corriqueira da pessoa, ninguém pode ser condenado à pena eterna por este momento de infelicidade.
É preciso ver o que revela a frase, em que contexto foi pronunciada, e qual o perfil de quem a pronuncia. O camarada que vive defendendo a tortura celebrar um torturado numa frase é uma coisa; outra é um profissional que atende bem um paciente, que não o discrimina no atendimento, que comete um erro depois e que em seguida pede desculpas.
Na desastrada ironia que o médico fez sobre a forma de falar do mecânico, há sinais de muitas razões merecedoras de críticas – mas não há ódio. Já na manifestação em que um cidadão dirige-se à atriz Letícia Sabatella chamando-a de “p…” há um ódio exacerbado, de quem quer destruir o outro, de quem cultiva a intolerância. E este é particularmente nocivo por ser uma ação que conquista apoio e simpatizantes. A atriz foi xingada por ser, na visão dos seus xingadores, uma defensora de Dilma.
Há pedidos de desculpa que são mera retórica, uma artimanha para conter danos; há outros que são verdadeiros pontos de conversão, atuam como uma espécie de revelação (termo que emprego aqui não no sentido religioso, mas de compreensão). Como se o agressor percebesse não só a besteira que fez, mas também a humilhação, o dano, a agressão que infligiu ao outro. E tem ainda a terceira alternativa, a de não pedir desculpas, por achar que não errou, por achar que o agredido fez por merecer etc. A consciência de cada um é que vai determinar o que fazer.