Em Foco 04,08

Como vive na intimidade a pernambucana do Sertão que ganhou a simpatia do brasileiro?

Silvia Bessa (texto)
Rodolfo Buhrer/COB (foto)

A porta-bandeira do Brasil na solenidade de abertura das Olimpíadas, que acontece nesta sexta-feira, fez questão de levar o Nordeste consigo. Ela embarcou segunda-feira do Recife, onde mora com o marido Aloísio no bairro de Campo Grande, para Curitiba, última parada antes de seguir para o Rio de Janeiro, rumo ao estádio do Maracanã. Na mala de Yane Marques, o refratário com a paçoca feita de farinha e carne-de-sol moída pela mãe, dona Goretti, tinha lugar garantido. As músicas de Luiz Gonzaga, Alcimar Monteiro e Aviões do Forró – parte de uma play list regional que escuta com prazer sempre antes e entre as modalidades envolvidas do pentatlo moderno – estavam na bolsa de mão. Nas lembranças, os seguiam os encontros com a família e amigos para comer a panelada de caranguejo de que tanto gosta, o churrasco de picanha ao ponto, o arrumadinho de feijão verde.
Melhor representante o Brasil não poderia ter na sua estreia como sede de jogos olímpicos. Uma mulher, sertaneja do município de Afogados da Ingazeira, pernambucana, nordestina. Yane, 32 anos, estará lá porque é exemplo de superação. Quem conhece Yane de perto consegue entende de onde vem o sucesso diante das tantas exigências do esporte. Ela é assim: se alguém perguntar por quanto tempo ficou no Colorado Springs, EUA, em seu recente treinamento, ela responderá :“23 dias”. Exatamente. Costuma ser rígida nos seus planejamentos: se você marcar com ela qualquer encontro às 12h30, em um bom restaurante ou no Mercado da Encruzilhada, não atrase. Dois minutos depois, ela irá te ligar cobrando justificativa.
Yane é focada: com ela, esqueça encontros noturnos longos ou passeios para ver vitrines em um dos tantos países por onde anda. Às 20h30, muitas vezes, está dormindo. Do contrário, está treinando ou se preparando psicologicamente. É múltipla, pode se imaginar pela versatilidade.
Em casa, além do turbilhão de treinos, ela gosta de tocar sax e ainda arrumou um tempo para aprender a dançar forró com um professor particular quando volta para a sua residência. Yane é cuidadosa ao extremo: atleta de nível internacional, não abre a guarda por nada quando se fala daquilo que ela come ou bebe. Nunca, em hipótese alguma, toma água com embalagem aberta, exceto se for oferecida por treinadores. Nenhum bombom sequer para evitar riscos de ingestão de alguma substância proibida.
Terceiro-sargento do Exército Brasileiro, Yane Marques é pentatleta. Pratica um esporte complexo que entrou para as Olimpíadas em 1912, em Estocolmo. Significa que ela precisa ser boa no conjunto de cinco modalidades. Numa sequência numa prova realizada em um só dia, ela faz 200 metros na natação, joga esgrima, pratica hipismo saltando a cavalos; e atletismo, correndo três mil metros. Durante o trajeto, faz paradas obrigatórias e tem como desafio acertar cinco tiros ao alvo. Nestas Olimpíadas do Rio, suas provas ocorrerão entre os dias 18 e 20 de agosto, na Arena da Juventude, no Centro Aquático e no Estádio, todos no Complexo de Deodoro. Será observada por todo o mundo.
Yane é a 12ª no ranking mundial. Conquistou medalha de bronze em Londres (2012). É a única na América Latina a abocanhar o título dentro do triatlo moderno. Também já ganhou dois ouros e uma prata em Jogos Americanos.
Por onde passa, Yane galvaniza admiradores. Não à toa foi selecionada como opção para transportar a bandeira da equipe verde-e-amarela após consulta pela internet e acabou eleita numa lista tríplice com 49% dos votos no último domingo, durante o programa dominical “Fantástico”, da TV Globo. Disputou com Serginho, do vôlei, e o velejador Robert Scheidt. “Estou super feliz com tudo isso”, tem dito a moça que em outubro do ano passado em Mungyeong, na República da Coreia, levantou a plateia balançando a bandeira brasileira nos jogos militares.
Quebrando o padrão pessoal, ela já separou o rímel para valorizar os cílios na solenidade de abertura das Olimpíadas amanhã e está muito animada com a honraria que lhe deram nesta edição daquele que é considerado o maior evento esportivo do mundo.
Promete alegria à frente da comitiva para retratar o povo brasileiro e diz ter um desejo especial: “Quero ser talvez uma porta-voz através dessa bandeira para que o país se una mais”. Que a determinação dessa mulher seja inspiração e que ela seja símbolo de um Brasil novo, sem limites territoriais e barreiras de gênero.