Em Foco 05.08

Jogo virtual que acaba de ser lançado transforma-se em febre de consumo e vira alvo de debates.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)
A resposta para a pergunta “aonde vamos parar?” nunca pareceu tão inatingível quanto depois do alarde em torno do lançamento do jogo Pokémon Go, que mal chegou ao Brasil e promete converter incontáveis milhões de pessoas ao redor do mundo em seres caminhando pelas cidades, olhos fixos em seus smartphones, à procura de monstrinhos virtuais. Capturá-los parece ser, para a maioria dos usuários, algo tão irresistível quanto as tentações mais prazerosas e é aí onde mora o perigo: as emoções humanas sendo guiadas para onde desejam as gigantes do universo digital, neste caso, o Google, que já rastreia os passos de todos os dependentes dos seus aplicativos e agora vai dirigir os movimentos, depois de criar e organizar os desejos de quem se converte em “caçador de Pokémons”.
A presumível “inocência” de jogos deste tipo, antes imaginados apenas como ferramentas para distrair, foi-se desfragmentando na medida em que estudiosos como Alfie Bown (autor de Enjoying it: Candy Crush and Capitalism, 2015, Editora Zero Books, e The Play Station Dreamworld, a ser lançado em 2017) se dedicaram a desvendar o que está por trás das imagens convertidas em vício, com poder para repassar a “reconfortante ilusão de que decidimos”. O princípio é o mesmo do Ingress (2011), também do Google, menos conhecido mas com sete milhões ou mais de usuários: orientar os passos dos jogadores no ambiente físico, utilizando o recurso da realidade aumentada, e monitorar os deslocamentos via GPS.
“Significativamente, não monitora apenas aonde vamos, mas nos dirige para onde deseja que a gente vá”, conclui Bown.
Parece assustador que, embora a maioria dos consumidores demonstre apenas preocupação em adquirir smartphones com uma variedade maior de recursos, estes aparelhos se superem na capacidade de saciar todos os nossos desejos ao oferecer distração (jogos), transporte (Uber), canal para adquirir comida e bebida (OpenRice, JustEat) e, quem diria, até mesmo sexo e amor instantâneos (Tinder, Grindr), como listou Bown em artigos que escreveu sobre o assunto. Mas, segundo analisa ele, surpreendente mesmo seria a possibilidade de o objeto conseguir mobilizar o desejo de quem o utiliza.
E é exatamente onde reina o desejo – com toda a força que o vincula à palavra dependência – o ambiente propício para acolher o Pokémon Go. Até parece que as discussões sobre ética em relação ao jogo só servem para torná-lo, cada vez mais, uma espécie de febre entre jovens, adultos e crianças. Enquanto o Ingress foi acusado de mandar crianças para parques urbanos escuros, de madrugada,o Pokémon Go já é lembrado por um episódio ruidoso ocorrido na Austrália: um bando de treinadores de Pokémon tentava invadir uma delegacia de polícia em busca de capturar uma dessas criaturas digitais, mas o que algumas pessoas encontraram, em lugar delas, foi um cadáver. Se o jogo pode acabar matando alguém, como já foi sugerido, não é hipótese que se descarte, a julgar pela alheação de usuários ao atravessar vias públicas movimentadas procurando as tais personagens misturadas ao ambiente real. Em dois casos, uma pessoa chocou-se contra um carro de polícia e outra foi atropelada.
Observadores das novidades que pulam das telas dos smartphones para a vida real e interagem com ela a partir do recurso da realidade aumentada concluem, sem muito esforço, que não há como escapar do Google. É como se a corporação tivesse a capacidade de, com seus produtos, monitorar o inconsciente, o tempo, os passos e as emoções dos usuários, algo imaginável apenas em filmes de ficção científica. Mas, creia, este futuro já começou e ele responde à pergunta “aonde vamos parar?” com a afirmação mais usada por visionários e revolucionários: o céu é o limite.