07.08

Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio surpreendeu público e crítica pela beleza e criatividade.

Luce Pereira (texto)
AFP (foto)

A abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 serviu para constatar ao menos uma coisa: nós, brasileiros, somos como o Sertão, onde qualquer chuvinha mais insistente faz brotar da terra esturricada um verde vertiginoso, que se espalha num piscar de olhos. Deixemos a política de lado, que uma metáfora precisa traduziria como a inclemência do sol. É dia de preferir amenidades. Eis que até antes de o Maracanã se acender para o espetáculo, cabíamos perfeita e tristemente na teoria de Nelson Rodrigues, que, em 1950, nos colocava como portadores do “complexo de viralata”, vítimas de certo sentimento de inferioridade em relação ao resto do mundo.Segundo o cronista pernambucano, já entramos derrotados em qualquer disputa ou desafio por não acreditar na vitória. Bem, mas então a festa começa e nos transformamos junto com os cenários incrivelmente versáteis criados por coreógrafos e carnavalescos, gente que faz de barracões de escola de samba máquinas ferozes de produzir fantasias arrepiantes. Bastou ver que não se confirmaram as suspeitas sobre uma festa com “espírito de gambiarra” para o ânimo arrasado pelos urutus da política ser socorrido pelo velho e bom sentimento de orgulho. Quem resiste à surpresa de ver um suave Paulinho da Viola, com o auxílio luxuoso de violinos, cantar o Hino Nacional?
Viralatas que nada. Ali, a teoria de Nelson já não incomodava e perdia completamente o sentido a cada centÍmetro percorrido pelo 14 Bis pilotado por “Santos Dumont”, que decolou do Maracanã para um voo espetacular sobre o Rio de Janeiro. Aquela beleza toda faria, na certa, Tom Jobim compor uma nova canção de amor à cidade.Coube ao neto dele, Daniel, lembrar, ao som de Garota de Ipanema, que a paixão impregnada em todos os discos já havia dito tudo. Mas faltava a graça e a elegância incomparáveis de Gisele Bundchen atravessando a mais longa passarela da vida dela. Se a mulher brasileira está longe de ser representada por aquela beleza toda, cada passo da modelo dizia que não é possível ignorar uma fama que corre o mundo. Terra de gente bonita, sim, mas é a alegria que de fato convence.
Foi fácil virar o Sertão depois de uma chuva boa, ainda mais quando o próprio Sertão apareceu carregando a bandeira do Brasil. Era Yane Marques, uma atleta que não se separa de Pernambuco nem quando atravessa mares: leva o gosto das comidas, o jeito das pessoas, as orações ditas palavra por palavra, porque sem fé não há perna capaz de levar a distâncias tão longas como as que ela já percorreu com sua obstinação e teimosia.
Tudo por amor ao pentatlo moderno, a modalidade que não só a levou ao pódio olímpico, em Londres, como à honra de abrir caminho para o desfile da delegação brasileira, nos Jogos do Rio. O 1,67m de altura dela, naquela hora, parecia ter dobrado – porque alegria e distinção, juntas, fazem acreditar assim.
Foi uma cerimônia e tanto – simples, mas criativa – o que não nos torna melhores nem piores do que outros anfitriões olímpicos, apenas mostra a capacidade do Brasil de se regenerar, a despeito de dificuldades políticas e econômicas tão grandes. Se não acreditamos nisto, preferimos apenas dar razão ao genial Nelson Rodrigues e perdemos a chance de reconhecer algum acréscimo em nossa auto-estima, de nos alegrarmos ante a semelhança com o Sertão. É certo que a realidade social não vai se modificar assim, tão rápido quanto um atleta vence seu adversário, e nem se, por milagre, o Brasil conseguir alcançar sua melhor performance em número de medalhas. Mas como é bom relembrar que gosto tem a dignidade. Tomara que ela floresça entre nós com a força das semente plantadas hoje, que vão dar origem à Floresta dos Atletas, no Rio.