12.08

Exemplo de Marta e resultados obtidos são inspiradores, mas o Brasil insiste em continuar com apoio pífio.

Luce Pereira (texto)
Raphael Alves/AFP (foto)

É bobagem duvidar de quem levou a vida tirando leite de pedra, porque a obstinação, numa hora, transforma tudo de maneira extraordinária. A camisa 10 da Seleção Brasileira de futebol, Marta, sabe bem. Pulou da minúscula Dois Riachos (Alagoas) para a Suécia como se entre os dois lugares não existisse distância abissal – e não apenas física. Foi transportada para outra perspectiva de vida por uma força chamada destino, mas sabe o quanto se empenhou e renunciou até conseguir ter o nome gritado por multidões que adoram reconhecer, em pernas talentosas, aquele Brasil de futebol inesquecível. Porém, o grande mérito não está exatamente nos muitos (e importantes) títulos conseguidos nem nas medalhas conquistadas, mas em dar as costas ao preconceito e abrir caminho para uma geração fazer o mesmo: ir em busca do sonho, não importa que nome tenha ele.
A trajetória de Marta anda, ainda, ajudando enormemente a derrubar outro mito – o de que apenas os homens são capazes de, com uma bola nos pés, mobilizar um país, encher estádios. Por causa de performances arrojadas nas duas primeiras partidas dos Jogos Olímpicos do Rio, que ocorreram justo quando o desempenho da equipe masculina estava entre a apatia e o desleixo, um fenômeno começou a sinalizar para a chegada de novos tempos no futebol feminino do Brasil. Mal as imagens da última vitória (5x1contra a Suécia) tinham sossegado na cabeça dos torcedores, começou uma busca frenética por camisas com o número e o nome da atacante. Nada encontrando, mesmo em grandes lojas, eles resolveram fazer circular pela internet abaixo-assinado com o objetivo de pressionar a Nike a confeccioná-las e receberam da empresa a explicação de que esta é tarefa dos revendedores da marca. Os clamores das ruas podem até nem ser ouvidos, mas os de torcedores, não tenha dúvida: logo na quarta-feira, uma rede de material esportivo já colocava o “objeto do desejo” à venda.
Aquela velha pergunta – em que mundo nós estamos? – usada por quem não quer admitir ou entender a chegada do novo como parte das voltas que a vida dá, deve ser bastante repetida até as redes tremerem muitas vezes, sacudidas por gols memoráveis feitos por chuteiras femininas. Mas estes tempos de pouca ou nenhuma estranheza com casa cheia para ver Marta e suas seguidoras traduzindo o resultado da dedicação em espetáculo pode não estar tão distante assim, a julgar pelo público que lotou a Arena Amazonas e saiu de lá agradecido, ainda mais depois do acúmulo de frustrações com os jogadores, protagonistas daquela vergonha imposta pela Alemanha, na Copa de 2014. Ninguém esqueceu o 7×1 – nem vai. Daí porque, também, o desencanto diante da falta de resultados encontrou consolo na garra das mulheres comandadas por Vadão (Oswaldo Alvarez).
Mas, se predominasse a lógica, depois de duas medalhas de prata (Atenas 2004 e Pequim 2008) o futebol feminino do Brasil já deveria estar numa situação muito mais confortável, o que permite duvidar de mudanças rápidas e sólidas neste cenário. Até mesmo o técnico Vadão desconfia que nem mesmo um ouro olímpico, agora, garantiria casa cheia nos jogos, dali em diante. Será preciso insistir no esforço hercúleo para tornar o apoio robusto e contínuo, porque, no caso das mulheres, provar algumas centenas de vezes o talento e o brilhantismo não parece suficiente. Isto é Brasil, afinal. No entanto, considerando apenas a lógica, quem poderia crer que Marta seria descoberta pela Suécia depois de gastar pernas atrás da bola em ruas e campinhos improvisados de Dois Riachos? O “improvável” acontece quando menos se espera, desde que o sonho se mantenha aceso como a força de uma tocha olímpica. Sim. No entanto, a verdade é que com ouro ou sem, acolhidas de vez ou não, as meninas do Brasil vão continuar na luta. Para não desmerecer, afinal, o exemplo dado por Marta, que é simplesmente inspirador.