14.08

Histórias de sofrimento, abnegação e desafios unem atletas para os quais o mundo tira o chapéu.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (ilustração)

Todas as vezes em que a ginasta norte-americana Simone Biles, 19, entra em cena, nos Jogos Olímpicos do Rio, arrebata a plateia e àqueles com mais de 50 anos faz lembrar uma lenda do esporte chamada Nadia Comaneci, única a atingir a perfeição ao receber nota 10, no dia 18 de julho de 1976, em Montreal (Canadá). A romena, a propósito, está entre os cariocas e não poupa elogios à performance da atleta, que ao contrário da maioria das competidoras esbanja, além de talento, muita simpatia. Mas não foi sempre assim: quando criança, Biles viveu a tristeza de ter uma mãe viciada em drogas, sem condições de cuidar dela e das outras três irmãs. Passou a morar com os avós, que logo se renderam aos espetáculos de cambalhotas e piruetas caprichadas, a exemplo dos professores. É óbvio que não seria uma promessa da ginástica mundial se colocasse o foco nas próprias (e dramáticas) circunstâncias e não se empenhasse arduamente para merecer as apostas feitas desde cedo em seu potencial. Tinha, portanto, que prestar atenção na palavra que mais diferencia os atletas: superação.
Os Jogos do Rio parecem perfeitos para abrigar tantos exemplos de esforço transformado em quase milagre, pessoas que dão a impressão de ter levado ao pé da letra uma frase do pernambucano João Cabral de Melo Neto em seu auto de Natal, Morte e vida severina: “Muita diferença faz entre lutar com as mãos e abandoná-las para trás”. Estes não sabem o que é se deixar vencer. Neste caminho, tiremos o chapéu para a seleção de rugby de Fiji, formada por cortadores de cana, carcereiros e carregadores de mala, que ainda não puderam esquecer o ciclone de fevereiro responsável pela destruição de 44 mil casas e morte de 44 habitantes das belas ilhas do Pacífico. Entre os desabrigados, os próprios jogadores. As condições para a prática do esporte são tão precárias que o técnico, o inglês Ben Ryan, ao assumir o time, em 2013, passou os primeiros cinco meses sem receber salário e vendo os atletas sem ter como ir aos treinos por falta de combustível no ônibus destinado a levá-los. Nem por isso Fiji deixou de ter sua primeira medalha olímpica – e de ouro – depois de despachar a equipe do Reino Unido pelo placar de 43 a 7, na última quinta-feira.
Mesmo o nadador norte-americano Michael Phelps, o grande recordista de medalhas de ouro, também nesta edição dos Jogos, valeu-se do verbo superar para insistir em sua relação de amor com as piscinas. Cansado da vida de atleta, depois da edição de Londres, foi preso por dirigir alcoolizado, depois visto fumando maconha, chegou a ficar em depressão e quase dá adeus ao sonho de ser o maior da história das Olimpíadas, em número de medalhas, não fosse as sacudidas dadas pelo amigo Ray Lewis e a decisão de se internar por 45 dias em uma clínica de reabilitação comportamental. Havia até pensado em suicídio. Pai de Boomer há três meses e reconciliado com as vitórias, Phelps é, ainda, muito querido pelo público e reverenciado pelos competidores.
A distância entre o mundo de Phelps e o da judoca Rafaela Silva, 24, dona da única medalha de ouro do Brasil, até o momento, não tem como ser calculada, tal a disparidade. Mas o verbo superar coloca os dois tão próximos que os aplausos para um podem ter a mesma duração e intensidade para o outro. São donos de suas escolhas, desafiaram seus limites e puderam concluir que o esporte é uma via salvadora. Sobre isso, uma das que mais falam com propriedade é a atacante da seleção brasileira feminina de futebol, Marta, cuja história é impregnada de valentia, desde o momento em que resolveu colocar o preconceito no lixo e sair pelo mundo em busca de glórias para sua maior paixão, aprendida nas ruas da pequena Dois Riachos, para onde sempre retorna a fim de cultivar as raízes. Cada um com suas peculiaridades e todos unidos pelo ouro da teimosia, aquele que se destina a quem não desiste nunca.