10-09

 

Deterioração sofrida pela política, provocada por práticas criminosas, abriu as portas para esse tipo de comportamento.

Vandeck Santiago (texto)
Christophe Simon/ AFP (foto)

Observando os últimos acontecimentos no Brasil lembrei-me de uma expressão histórica cunhada pelo presidente Ernesto Geisel durante o seu governo (1974-1979). Quando ele tomou posse a ditadura durava 10 anos e já dava sinais de esgotamento. Geisel era favorável a uma abertura democrática, a ser implantada aos poucos, mas enfrentava resistências internas de militares contrários a qualquer flexibilização do regime.
Em vez de abertura, queriam o recrudescimento da ditadura, e seriam capazes até de atentados, como o que aconteceu no chamado episódio do Riocentro, em 1982. Geisel chamou estas pessoas de “bolsões sinceros, mas radicais” da ditadura – esta foi a expressão que me veio à mente, na observação dos últimos acontecimentos no país.
Graças a Deus, não temos mais uma ditadura – ela foi oficialmente encerrada em 1985, com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República (ele foi eleito em janeiro, e morreu antes de tomar posse, em março daquele ano, mas a sua eleição ficou como o marco do fim do regime militar). Graças a Deus, o ambiente de liberdade em que vivemos não tem a mínima comparação com o da ditadura, que eu vivenciei. O Brasil de hoje nada tem a ver com aquele que foi superado em 1985.
Mas temos visto com frequência comportamentos que deveriam preocupar a todos nós que prezamos a democracia e a convivência civilizada entre contrários. Seus autores são o que podemos chamar de “bolsões radicais da intolerância política” – aqueles que não querem discutir, mas agredir, e que o fazem sem demonstrar a menor preocupação com o absurdo dos seus gestos.
Já tivemos casos até de agressões ocorridas dentro de um hospital, contra um cidadão que ocupara cargo técnico no governo e que estava ali para encaminhar a mulher a um tratamento contra o câncer. Há outros episódios; cito este pelo que carrega de inusitado: dentro de um hospital, contra um cidadão acompanhando a mulher com câncer.
Estas pessoas que agem assim sempre existiram. Não protagonizavam os atos descabidos de agora porque o ambiente em que o Brasil viveu nas últimas décadas as inibia. Quero dizer, não havia espaço para a ocorrência desse tipo de comportamento. Mas a deterioração ocorrida em setores de nossa política, com práticas criminosas que a todos causa indignação, abriu portas para que “bolsões radicais da intolerância” saíssem da escuridão e viessem agir à vista de todos, causando constrangimentos sem sentir-se constrangidos.
No conjunto da sociedade, os autores e defensores de tais comportamentos são minoria. Resquícios de uma etapa já superada da nossa evolução política e humana. Diante de um ambiente favorável, contudo, podem expandir-se e até conquistar fatias maiores da população.
O mundo da política deveria firmar posição contra o que está acontecendo. Tem gente que não concorda com os “bolsões”, mas faz vista grossa aos seus atos, na vã esperança de que só causarão estragos à imagem do adversário. Trata-se de uma ingenuidade eleitoreira, que não enriquece a biografia de ninguém.
Estes “bolsões radicais da intolerância” não têm nada a ver com o mundo da política; o mundo deles é outro. Por isso deveriam ser isolados, e merecer o repúdio generalizado de todos os que desejam um Brasil limpo, justo e democrático.