Do fracasso de tentar ensinar botânica a quem vem de um planeta onde não existem vegetais.
Vandeck Santiago (texto)
Marcos Santos/USP Imagens (foto)
O escritor, jornalista e professor Leonardo Haberkorn decidiu que não dará mais aulas. “Cansei de lutar contra os celulares, contra WhatsApp e Facebook. Ganharam. Me rendo. Jogo a toalha”, anunciou ele, em um desabafo que é um exemplo da situação enfrentada hoje por muitos professores.
Haberkorn tem 12 livros publicados. Já ganhou prêmio, é professor de jornalismo, ensinava para futuros jornalistas. Seu protesto não é contra a tecnologia, mas contra o uso que se faz dela. “Cansei de estar falando de assuntos que me apaixonam para jovens que não conseguem tirar a vista de um celular que não cessa de receber selfies. Claro, nem todos são assim. Mas são cada vez mais”, disse ele.
Anos atrás ele pedia para que os alunos deixassem o celular de lado durante a aula, cerca de 90 minutos. Funcionava mais ou menos, porém funcionava. Agora o pedido não surte mais efeito – ele pedia, ninguém escutava. Na realidade vivida por Haberkorn tem a especificidade de que suas turmas eram de jornalismo – cujos alunos, pressupõe-se, estariam interessados em notícias, nos fatos importantes do momento. Mas não, não era isso que ele via nas aulas: “É cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo para gente que não o consome nem vê sentido em estar informado”.
Em uma aula, ele mencionou a situação da Venezuela, que estava em evidência nos noticiários online, impresso, de rádio e de TV. Em 20 estudantes na turma, só um conseguiu falar o básico do conflito: “O muito básico. O resto não tinha a mínima ideia”.
Fazia perguntas: e na Síria, o que está acontecendo na Síria? Silêncio geral. Qual o partido mais à esquerda nos Estados Unidos, o Democratas ou o Republicano? Silêncio. “Alguém aqui sabe quem é Vargas Llosa? Sim! Alguém aqui leu algum dos seus livros? Não, ninguém”.
Os alunos estavam sempre conectados com os seus aparelhos celulares, mas não com a realidade, e sobretudo não com a realidade com que iriam trabalhar. “Conectar gente tão desinformada com o jornalismo é complicado. É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais”, diz ele, na melhor comparação que já vi sobre querer ensinar algo a gente que não tem o menor interesse pelo que você está dizendo.
Certa vez, ao ver parte da turma muito interessada em assistir a um vídeo, o professor aproximou-se para saber do que se tratava. De repente, dependendo do que eles estivessem assistindo, poderia puxar o assunto para a aula e assim capturar a atenção dos alunos. Em vão. O vídeo era sobre um filhote de leão que conseguia jogar bola…
Nestas situações cria-se um ambiente em que ser jornalista prejudica, raciocina o professor. Porque jornalista cultiva o hábito de colocar-se na pele do outro, e ao ver o comportamento daqueles jovens acaba pensando que talvez a culpa não seja deles, que talvez sejam vítimas de um processo que dura anos. Reduz o nível de exigência, e passa – como eles – a considerar o ruim como medíocre; o medíocre como bom e o bom como brilhante. “Não quero ser parte deste círculo perverso. Nunca fui assim e nunca serei. O que faço, sempre gostei de fazê-lo bem. O melhor possível”, diz ele.
Haberkorn não é ativista contra a tecnologia. Tem facebook e blog (El Informante) – neste publicou o texto do qual selecionei aqui alguns trechos. É uruguaio, trabalha em Montevidéu. Deixei para revelar por último sua nacionalidade e a cidade onde trabalha porque isso pouco importa. O drama vivido por ele é universal.